São Paulo, Domingo, 24 de Outubro de 1999
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A primeira Olimpíada verde

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
Editor-assistente de Esporte
ROBERTO DIAS
da Reportagem Local



Na metade do ano passado, a rede de lanchonetes McDonald's, após intensa negociação com governantes locais, declarou que não teria condições de abrir mão de suas embalagens descartáveis durante os Jogos de Sydney.
Foi o suficiente para a empresa ser incluída em uma incômoda lista negra, elaborada pelo Greenpeace, uma das mais atuantes entidades ecológicas do planeta, que monitora o movimento olímpico desde o início da década.
Talvez isso tenha sido pouco para sensibilizar os executivos da empresa norte-americana. Mas, durante os Jogos, o fato é que as embalagens de hambúrguer serão feitas de papel biodegradável, que será processado junto com os restos de comida para se transformar em adubo de jardim.
Não usar somente pratos de cerâmica reutilizáveis é uma das poucas manchas no currículo do Socog, como é chamado o Comitê Organizador de Sydney-2000.
Tal meta estava incluída em um documento chamado Condutas Ambientais Olímpicas, que foi elaborado quando a cidade australiana era ainda apenas uma candidata, e, mais tarde, considerado um trunfo da campanha.
E, por mais risível que possa parecer dentro de uma realidade como a brasileira, a polêmica questão é apenas mais um item entre dezenas que deverão fazer de Sydney o local da primeira Olimpíada verde da história. E quem afirma isso é o próprio Greenpeace (leia texto abaixo).
Longe de apenas garantir um tratamento racional do lixo ou evitar desperdício, o aspecto ambiental dos Jogos de 2000 está sendo tratado como uma conveniente ferramenta de marketing.
Um antídoto para escândalos, da escolha venal de sedes olímpicas à febre da nandrolona, para o qual até o COI (Comitê Olímpico Internacional) está apelando.
Nos últimos dois dias, por exemplo, o Rio foi palco da 3ª Conferência Mundial de Esporte e Meio Ambiente, que teve presença recorde e firulas como a tocha olímpica de Sydney, abastecida a gás natural e com consumo 50% inferior à de Atlanta.
Estrela do evento, Peter Ottesen, gerente de meio ambiente do Socog, enumerou algumas novidades: Vila Olímpica movida a energia solar, estádio que represa e reaproveita água da chuva, parque aquático com ar-condicionado voltado para o público que não rouba calor das piscinas, mobília de papelão reciclável nos escritórios dos voluntários, transporte público gratuito para todos que portarem ingressos.
Para completar, 4 milhões de árvores plantadas em toda a Austrália nos dois últimos anos.
Clorofila suficiente, segundo os especialistas do Socog, para a fotossíntese que retirará do ar de Sydney todo o gás carbônico que será produzido nos Jogos, evitando o efeito estufa, o aquecimento global da atmosfera.
Uma prática que promete se transformar em moda. No caderno de encargos da candidatura inglesa à Copa do Mundo de 2006, o capítulo ambiente também merece destaque, com a promessa de plantio de outros tantos milhões de árvores e a garantia de que todos os patrocinadores e fornecedores também serão "verdes".

Australianos prometem os Jogos mais limpos da história, extrapolam nas inovações, ganham a chancela do Greenpeace e transformam o ambientalismo em ferramenta de marketing

Segundo o Greenpeace, mais famosa organização ecológica do planeta, os Jogos Olímpicos de Sydney podem se tornar um marco da história do ambientalismo.
Para tanto, a entidade tem acompanhado de perto o trabalho do Socog, o Comitê Organizador dos Jogos de Sydney, mesmo antes de a cidade ser eleita pelo COI para abrigar a Olimpíada de 2000.
Em 1992, a entidade inscreveu-se no concurso aberto pelo governo australiano que visava selecionar o melhor projeto para o evento. Entre mais de uma centena de propostas enviadas, a da entidade acabou entre as cinco finalistas.
Muito do projeto foi absorvido, e o Greenpeace, então, passou a monitorar o trabalho do Socog, distribuindo, inclusive, notas para os principais personagens do empreendimento (veja quadro).
Quem vai bem é o próprio Comitê Organizador, cujo esforço é reconhecido pela entidade. Na outra ponta aparece o governo australiano, longe de ter a simpatia dos ambientalistas, que o consideram "preguiçoso", quando não um adversário mesmo.
No geral, no entanto, a organização não esconde seu entusiasmo com o o trabalho feito em Sydney. Tanto que lista alguns dos sucessos ambientais dos próximos Jogos, a saber:
1) A Vila Olímpica, que será o maior complexo de energia solar do mundo. Todas suas 665 residências serão providas de energia solar, voltada principalmente para o aquecimento da água;
2) O sistema de transporte sem carros. "Serão os primeiros Jogos em que quase todos que comparecerem usarão transporte público. Novas linhas de trem foram construídas para propiciar um transporte menos poluente e mais eficiente", diz o Greenpeace;
3) A conservação de água. Metade da água utilizada na Vila Olímpica e nas sedes dos Jogos virá de água tratada das chuvas e de água do próprio esgoto purificada;
4) A proteção à biodiversidade. Projetos de sedes olímpicas foram alterados para permitir a sobrevivência de espécimes raros e a proteção de uma floresta nativa de árvores centenárias;
5) A redução do uso de PVC, um plástico considerado tóxico. Optou-se por outros materiais ou mesmo tipos de plásticos menos poluentes nas construções;
6) A limpeza completa de materiais tóxicos na baía de Homebush (próxima às principais sedes dos Jogos), que por décadas serviu de depósito de substâncias poluentes pela indústria química.
Há, no entanto, itens que a entidade considera ainda mal resolvidos. Entre eles estão:
1) A aceitação pelos patrocinadores dos Jogos de todas as chamadas Condutas Ambientais, elaboradas pelos organizadores durante a candidatura de Sydney e que se tornarão lei no Estado de Nova Gales do Sul em 1993;
2) O uso de substâncias que agridem a camada de ozônio nos sistemas de refrigeração e ar-condicionado em Sydney. Segundo o Greenpeace, chegou-se até a um acordo para abolir as principais substâncias desse tipo (conhecidas pelas siglas CFC, HCFC e HFC), mas a proposta acabou sendo ignorada. (JHM e RD)


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