|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FUTEBOL
Todo juiz é ladrão!
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Sim, jurístico leitor e judiciosa leitora, todo juiz é ladrão. E quem diz isso não sou eu
nem a torcida colorada. São estatísticos alemães. E não imagino
gente mais séria e com mais siso
do que estatísticos alemães.
Explico melhor. É que o leitor
Roberto Porto, um econometrista
(procurei no dicionário e vi que
um econometrista não é especialista em ecos, mas um indivíduo
versado em econometria, método
estatístico de análise de dados e
problemas econômicos), enviou-me um artigo publicado no "Journal of Economic Psychology", intitulado "Favoritism of agents -
The case of referees home bias",
que no meu péssimo inglês eu traduziria como "Favoritismo dos
agentes - A tendência dos juízes
em favorecer o time da casa". O
texto é de Matthias Sutter e Martin Kocher, professores da Universidade de Insbruck, Áustria.
Tomando como base os jogos do
campeonato alemão de 2000/
2001, Sutter e Kocher estudaram
dois aspectos da arbitragem: o
tempo de acréscimo dado pelos
juízes e a marcação de pênaltis.
Em relação aos acréscimos, viu-se que os árbitros tendem a dar
mais tempo extra principalmente
quando o time da casa está perdendo por um gol de diferença.
Neste caso os acréscimos ficam
em torno de 2,75 minutos. Porém,
se o time da casa está vencendo
por um gol, a média de acréscimos fica abaixo dos dois minutos.
Pode não parecer uma grande diferença, mas estes segundos a
mais foram fundamentais para
que o Internacional vencesse o
Brasiliense no último dia 20.
Passemos à parte mais interessante do artigo: os pênaltis.
Segundo os dois teutônicos (que
significa alemães, e não um tipo
de daltônicos), no campeonato de
2000/2001 foram marcados 76 pênaltis, 55 para os times da casa e
21 para os visitantes. É claro que,
como os times da casa geralmente
atacam mais, eles deveriam ter
mais pênaltis marcados a seu favor. Mas os econometristas foram
espertos e procuraram em reportagens quais os pênaltis que foram, nos dias seguintes, aceitos
ou refutados pela imprensa.
Dos 55 pênaltis caseiros, 5 foram dados como injustos. Dos 21
pênaltis visitantes, somente 1 foi
classificado como ilegítimo. Além
disso, não foram dados 12 pênaltis para os times da casa e 19 para
os visitantes (como o caso de
Márcio Rezende de Freitas no domingo). Ou seja, em 62 jogadas
em que deveriam ser marcados
pênaltis, os times da casa tiveram
50 penalidades assinaladas
(81%). Já os visitantes, que deveriam ter a seu favor 39 marcações,
receberam apenas 20 (51%).
Segundo os autores, este favorecimento ao mandante pode ocorrer devido ao barulho, à pressão
da torcida. Para tal afirmação,
eles se basearam num experimento inglês com 40 juízes. Todos assistiram a um jogo do Campeonato Inglês pela TV. Metade escutava o som (e a torcida), a outra
metade apenas via as imagens. Os
que tinham acesso ao som foram
15% mais relutantes em marcar
as faltas do time da casa.
Em resumo: todo juiz é ladrão!
Mesmo que seja sem querer.
Apito amigo
A pesquisa talvez ajude a explicar um pouco o porquê de o
Corinthians ter a fama de ser
ajudado pelo "apito amigo", seja ele soprado por Javier Castrili
ou Márcio Rezende de Freitas.
Como trata-se de uma torcida
imensa, que canta e pula durante todo o jogo com um amor
quase insano (às vezes sendo
mais numerosa e/ou ruidosa
que o time da casa), os juízes
acabam ficando impressionados e pressionados. E isso acaba
causando erros como o de domingo. Mas, antes que me acusem de dizer que os torcedores
estimulam o roubo, aviso aos
corintianos que isto não é uma
acusação. Na verdade é quase
um elogio: à torcida, não aos árbitros. Estes deveriam estar acima das pressões, deveriam usar
tampões morais nos ouvidos.
E-mail - blogdotorero@uol.com.br
Texto Anterior: Ação - Carlos Sarli: Fome, sono e frio Próximo Texto: Ginástica: Daiane vai para final e vê queda das rivais Índice
|