São Paulo, quarta, 24 de dezembro de 1997.



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Ronaldinho, os louros, as louras e as verdinhas

ALBERTO HELENA JR.
da Equipe de Articulistas

Certa vez, ao receber um troféu de ouro, na TV Record, ainda no palco, Nélson Cavaquinho murmurou naquela voz rascante de cachaça e sereno: "Quanto vale isto em verdinhas?" Não fora à toa que ele eternizara em samba: "Quero as flores em vida..."
Pois o menino Ronaldinho, aos 21 anos, está coberto de louros, louras e verdinhas. Com todos os méritos, por sinal. Sim, porque ele é um desses fenômenos que surgem nos céus do futebol com a periodicidade dos cometas badalados, mas que, espero, tenha a durabilidade das estrelas.
Olha que, desde o ocaso de Leônidas até hoje, vi nascer e desaparecer uma infinidade de centroavantes, goleadores. Alguns, excepcionais, como Ademir de Menezes, Pagão, Coutinho -o parceiro de Pelé-, Careca e Romário, que ainda continua acumulando gols atrás de gols.
Isso sem falar em Tostão, centroavante por um breve período e só na seleção.
Em todos, as deficiências ou problemas se equiparavam, quando não se sobrepunham, às virtudes. Ademir era veloz, contundente na área, exímio cabeceador, mas tinha uma técnica limitada. Pagão era técnica pura, até na maneira de bater na bola com os três dedos, truque herdado de Jair Rosa Pinto, mas era frágil, no corpo e na alma.
Coutinho, foi o mais precoce e completo de todos: aos 15, 16 anos, quando trocou Piracicaba pela Vila, era veloz, habilidoso, imaginativo e implacável na área. Tanto, que chegava a se confundir com o parceiro real. Mas, muito cedo sucumbiu ao peso da gula e à fragilidade de um joelho baleado. Terminou, ainda garoto, como o Romário de hoje: reinando na grande área, à base de um instinto de gol invulgar e de leves tapinhas na bola, no instante final.
Careca tinha a habilidade de um Pagão e o faro de goleador de todos os outros. Mas não tinha o físico privilegiado, nem o carisma de Ronaldinho. Este, sim, um prodígio de expectativa e realização: além do talhe perfeito, trouxe do futsal o drible curto e desmoralizante, ao qual acrescentou o passe enviezado e a fúria do disparo em direção ao gol inimigo.
E, mais do que todos os outros, revela um caráter (no sentido exato do termo) inexpugnável. Nem os louros, nem as louras, tampouco as verdinhas desestabilizam esse menino de ouro. Nem mesmo a velha praga que, de tempos em tempos, se abate sobre os goleadores -os longos períodos de estiagem que acabam despertando todos os fantasmas interiores.
Ainda agora, assistimos Ronaldinho dar um piparote, com classe (sem lamúrias, nem reclamos), em uma dessas fases. É coisa de gente grande.
Quase ia dizendo que é coisa de gênio.

O julgamento de Edmundo, que culminou com sua absolvição fantasiada de pena pecuniária, atingiu tal paroxismo de "non sense" que provoca riso ao invés de indignação.
O que me faz voltar ao velho tema: a solução para isso é a simples e pura extinção desses tribunais de fancaria, onde mais do que em qualquer outro lugar codifica-se e forma-se extensa jurisprudência firmada do nefando jeitinho brasileiro. No seu lugar, um código de penas automáticas. E fim.



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