São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Meu vizinho é pior que Hitler


Deveríamos pensar no todo, na humanidade, mas damos mais valor ao que está perto, por isso defendo os Estaduais


CALMA, SEU Manoel, não é nada contra o senhor. Leia o texto até o final e o senhor vai entender. Começo lembrando aos mais desatentos que já tivemos os primeiros jogos dos campeonatos estaduais. Em São Paulo, por exemplo, ainda não houve nenhum clássico, mas já há uma certa curiosidade sobre o torneio. Já se pensa que o Palmeiras está melhor que no ano passado, que o Corinthians superou a perda dos argentinos, que o Santos está bem montado e que o São Paulo começa a se recompor. Sem falar que o Noroeste parece ser a surpresa da vez.
Ou melhor, da vez, não. De novo. Muitos comentaristas respeitáveis são contra os campeonatos estaduais. Eu não (não sou contra nem muito respeitável). Acho que esses torneios regionais possuem um charme especial. E acredito que isso ocorra por três razões: A primeira parte da própria história do futebol brasileiro. Ele nasceu nessas competições. Seu parto foram os campeonatos estaduais. O primeiro Paulista, por exemplo, aconteceu já em 1902. No entanto, a primeira competição interestadual, o Rio-São Paulo, só foi parida 31 anos depois. E o primeiro inter-regional, a Taça de Prata, veio à luz apenas em 1959 (e essa primeira edição foi vencida pelo Bahia, que tinha em seu ataque os grandes Bombeiro e Biriba e ganhou duas vezes do poderoso Santos de Pelé).
Uma segunda explicação é que, do mesmo jeito que o Brasil não é um país totalmente integrado culturalmente, com profundas diferenças regionais, seu futebol também é repartido e possui características locais. Assim, o futebol carioca é mais cadenciado do que o paulista, que é menos aguerrido do que o gaúcho etc... E, em geral, temos apreço maior pelo estilo da nossa própria terra.
E a terceira e principal razão para o meu gosto pelos campeonatos estaduais, seu Manoel, é que neles encaramos nossos algozes cara a cara. Sim, porque o verdadeiro rival é aquele que está mais perto. Pergunte a um vascaíno se ele prefere vencer o Flamengo ou o Cruzeiro. Indague a um cruzeirense se ele gostaria mais de ganhar do Atlético-MG ou do Internacional. Questione se um colorado quer ganhar de um Grêmio ou de um Palmeiras. E, para não ficarmos só no sul-maravilha, é bom dizer que o torcedor do Bahia gosta mesmo é de vencer o Vitória, que o do Remo quer é ganhar do Paysandu e que o do Vila Nova sonha em golear o Goiás. Enfim, pergunte a um brasileiro se ele sonha em golear a Argentina ou a Alemanha.
Como dizia um grande sábio oriental (não lembro se foi Lao Tsé ou o seu Nakamura, que vende pastéis na feira perto de casa): "O barulho do radinho de pilha do vizinho me soa mais alto que um estrondo em Bagdá". Assim, nada mais normal do que nossos maiores inimigos serem nossos vizinhos. Saddam Hussein era um sujeito abominável, mas o cara que mora em cima de meu apartamento e que não conserta seu vazamento é que faz meus azulejos caírem. Bush Jr. mata dezenas de pessoas a cada dia, mas o enlouquecido pequinês do 204 é que não me deixa dormir. E o Internacional é um grande clube, mas se o Santos ganhar do Corinthians é que eu fico feliz.
Esse sentimento de dar mais valor ao que está próximo não é algo muito bonito. Melhor seria se tivéssemos noção de que fazemos parte da humanidade, de um todo, do mundo. Porém não é assim que acontece. Para a grande maioria, o vizinho é um tirano maior do que Hitler. Mas deixo claro que este não é o seu caso, seu Manoel, ainda mais que, depois de apenas quatro meses, 12 dias, sete horas e 20 minutos, finalmente acabou sua reforma.

torero@uol.com.br


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