São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

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Especial - Lei Pelé

Lei Pelé estimula "jeitinho" de clube e atleta na Justiça

Empregador e empregado inventam teses em contratos e disputas em tribunais

Em ambiente jurídico instável, direito de imagem serve de artimanha para fraude assim como alegação para processo trabalhista

Fernando Donasci/Folha Imagem
Hoje estagiário de uma distribuidora de material de construção, Vicente Madella exibe contratos de seus tempos de boleiro

LUÍS FERRARI
RODRIGO MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Não são só as propostas de mudança que ameaçam a Lei Pelé. Decisões da Justiça do Trabalho deram mais de uma interpretação à legislação, criando instabilidade na relação entre jogadores e clubes.
Há decisões judiciais contraditórias em relação ao rompimento contratual, à remuneração pela exploração da imagem dos atletas, aos direitos trabalhistas e de arena.
O ápice da confusão ocorreu no final de 2007. O TST (Tribunal Superior do Trabalho) tratou a cláusula penal, prevista na lei, como sucessora do passe, extinto pela mesma lei.
"Pondere-se que a referida cláusula foi introduzida como sucedâneo do direito ao passe, que tinha por principal beneficiário o clube a que era vinculado o atleta", escreveu o ministro Caputo Bastos. A tese foi aceita pela sétima turma do TST, que julgou caso a favor do Palmeiras contra o jogador Rodrigo França.
Foi a primeira decisão que definiu que a cláusula só valia em prol do clube. Segundo o advogado Heraldo Panhoca, um dos autores da Lei Pelé, há "70 outras sentenças" que estabelecem que o mecanismo vale para a rescisão dos dois lados.
A Justiça do Trabalho também ainda não chegou a um consenso sobre os contratos de direito de imagem. São acordos cíveis entre o clube e jogador.
Em tese, regulam a exploração da imagem do atleta pelo clube. Na prática, são usados também para evitar tributação sobre o salário, na medida em que parte da remuneração não está prevista na carteira profissional, mas no contrato cível.
Advogados de atletas alegam, em ações, que o contrato é uma fraude à lei e pedem direitos trabalhistas sobre seus valores. E clubes alegam que é um mecanismo usualmente requerido pelos atletas, para safarem-se de parte do Imposto de Renda.
"Leandro Amaral apresentou contrato trabalhista de R$ 20 mil, menos do que oferecemos a ele, para justificar a ida ao Fluminense. O resto era pago pelo patrocinador. É fraude", diz o vascaíno Eurico Miranda.
"Nesse caso, acho correto porque o contrato não é feito com o clube, mas com a empresa, que fica com a imagem do atleta", diverge o advogado Luis Roberto Leven Siano.
"Não há uma regra geral, mas a situação deve ser avaliada caso a caso. A fraude se configura quando o clube assina contrato com o atleta e não explora sua imagem", afirma Domingos Zainaghi, professor da PUC-SP.
Para Dagoberto dos Santos, gerente de planejamento do Santos, "se uma emissora de TV pode contratar um profissional só para a concorrência não tê-lo, o clube também pode pactuar exploração da imagem com um jogador e não fazê-lo".
Para se precaver, conforme relata o são-paulino João Paulo de Jesus Lopes, clubes procuram efetivamente usar as imagens dos atletas. No Corinthians, por exemplo, os atletas são obrigados a usar a camisa do clube em programas de TV.
O direito de arena é outra questão polêmica. Pela lei, jogadores têm direito a 20% dos contratos de transmissão de eventos esportivos. Mas ganham 5%, por acordo sindical.
Direitos trabalhistas de jogadores têm jurisprudência mais consolidada, mas não são unanimidade -há, por exemplo, pleitos de hora extra por concentração e pré-temporada.
"Mudanças sucessivas criam insegurança jurídica", afirma o advogado do Corinthians Luis Felipe Santoro. "É ruim para o futebol como negócio a ausência de normas consolidadas uma década depois de a Lei Pelé ter sido promulgada."


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