São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

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Atacante larga carreira depois de levar calote

DA REPORTAGEM LOCAL

O fato de a Lei Pelé ter garantido aos jogadores a chance de conseguir a liberação de seus clubes na Justiça do Trabalho não acabou com as injustiças do mundo do futebol.
É o que constata o ex-atacante Vicente Madella, 24, que hoje cursa faculdade de administração de empresas e faz estágio no setor de contabilidade de uma distribuidora de material de construção em Sorocaba, cidade do interior paulista.
Ele abandonou a carreira de jogador profissional por causa de uma dívida de R$ 1.200. Era o que ele tinha a receber do Sumaré, clube que defendeu na Série B do Paulista em 2006.
"Fora o bicho, que nunca vi, o salário registrado era R$ 350. Mas o combinado era pagarem R$ 400", conta Vicente, mostrando que o expediente de acertar remuneração além da prevista no contrato de trabalho não é exclusividade de estrelas com ganhos vultosos.
Meros R$ 50, que na quarta divisão estadual não podem ser chamados de direito de imagem, o eufemismo utilizado nas grandes contratações.
Vicente obteve ganho de causa na Justiça. Na verdade, o Sumaré nem recorreu. Um acordo acabou sendo feito, mas até hoje o ex-jogador diz não ter recebido dinheiro. "Sinceramente, acabei perdendo a vontade depois de tantos contratempos."
Formado no São Bento de Sorocaba, Vicente alcançou, mesmo que discretamente, associações mais tradicionais pelo país. Jogou no Coritiba e no time B do Palmeiras.
No Sumaré, acredita, o problema foi um grupo de empresários que apoiava o clube ter abandonado o projeto de investimento na véspera do início da competição. "Aí, começou a faltar tudo. Houve dias em que até o treino era cancelado, porque não tínhamos uniformes para usar. Foi uma insegurança muito grande, tanto que os jogadores nem sabiam se iríamos ou não entrar nas partidas. Até comida, que eles prometeram para todo os jogadores que não eram da cidade, faltava", conta.
Sempre que um atleta natural da cidade comia no clube, o resto do grupo, que vivia em um alojamento do Sumaré, ficava à míngua. "Era literalmente vender o almoço para comprar o jantar", diz. "No fim das contas, eu até pagava para ficar lá, porque nem mesmo os reembolsos das passagens que eu comprava para ir até a cidade eu recebia."
Traumatizado, Vicente nem mesmo guardou a camisa de seu último clube. "Fizeram tanta sacanagem comigo que eu não quis levar camisa deles."
Depois de tentar em vão receber por três meses ("Passava toda semana na sala do presidente, mas ele era quem menos sabia das coisas e só enrolava, e o empresário não aparecia nunca para pagar"), ele recorreu ao sindicato dos jogadores, que ofereceu auxílio jurídico.
Mas passou a se sentir um peso para a família, ainda mais ao ver seus dois irmãos na faculdade, procurando outros caminhos profissionais. Após falar com os pais, desistiu da carreira e retomou os estudos.
"Sei das dificuldades do mundo da bola. Mas tenho uma vontade enorme de voltar", afirma Vicente, sem esconder as mágoas pelo prematuro fim que teve sua carreira de jogador profissional. (LF E RM)


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