São Paulo, domingo, 25 de abril de 2010

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Nem todo menino de Santos é da Vila

Rodriguinho, 27, artilheiro do Santo André, vive a anti-história do craque

Forjado no clube que exibiu Robinho e Neymar para o país, atacante quase largou carreira para trabalhar em uma ótica por R$ 226 ao mês

Adriano Vizoni/Folha Imagem
Rodriguinho, artilheiro do Santo André (14 gols), que começou no Santos, de onde foi dispensado

RENAN CACIOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Rodriguinho chega para conceder a entrevista com o uniforme de treino e chinelos. Sem brincos ou correntes, sem gel no cabelo. Só a cara de sono de quem acabara de ser acordado pela assessoria do Santo André.
"Opa, tudo bem?", pergunta com um sorriso que vai aparecer durante todo o encontro de quase uma hora, anteontem à tarde, em Barueri, onde a equipe se concentrou para a final.
O atacante levou 27 anos para ser assediado pela mídia. Ao escutar que a reportagem seria publicada próxima à de Neymar, arregala os olhos em tom de surpresa. Deve ter pensado que poderia ter sido, também, um menino da Vila, receber mais de R$ 100 mil mensais de salário, falar em uma hipotética convocação para a Copa.
O início foi bem parecido. Nasceu na Baixada Santista, como Robinho. Formou-se na base do Santos, como Neymar.
O sonho, porém, durou menos de um ano. Foi quase uma distração para o jovem criado no Jardim Rádio Clube, bairro periférico da cidade, que ganhava um almoço após os treinos. Logo aos 13 anos, ouviu do técnico do time mirim no qual era lateral-direito: "Não vamos aproveitá-lo aqui, Rodrigo. Você pode ir para onde quiser".
Foi para casa. "Você é menino, então acaba se abalando porque tem aquilo de jogar no Santos, em um grande", diz.
O trauma, no entanto, durou apenas duas semanas. Foi fazer teste na Portuguesa Santista.
Permaneceu lá do infantil aos juniores, coisa de quatro anos. Evoluiu. Além da refeição, recebia o bilhete do ônibus. Paralelamente, arrumou emprego em uma ótica, onde recebia R$ 226 por meio período.
Na hora de se profissionalizar na Santista, ouviu pela segunda vez na vida que era carta fora do baralho. Ficou na ótica do seu Lúcio e da dona Carmen.
"Um dia eu fui fazer uma entrega e, quando voltei, o seu Lúcio me mostrou um anúncio no jornal dizendo que o São Vicente estava montando um time. Ele falou: "Vai para casa pegar sua chuteira e faz esse teste". Fiz e passei. Virei profissional."
Ganhava R$ 300 de salário, mas teve de abrir mão da dupla jornada. Será eternamente grato à ótica. "Se não fosse pelo meu patrão, talvez eu tivesse desistido do futebol", afirma Rodriguinho, que começou a pular de clube em clube.
Enquanto Neymar hoje é tido como desejo do Real Madrid, nos primeiros anos entre os adultos Rodriguinho se transformou no sonho de consumo de Serra Negra Futebol Clube, Botafogo-SP, Sport, São Caetano, Ceará, Ituano, Rio Branco-SP e SEV-Hortolândia.
Depois de atuar pelo Rio Branco, recebeu sondagens do Santo André, mas só conseguiu deixar Americana, no ano passado, graças a uma liminar. "Eles não estavam depositando o meu fundo de garantia. Entrei com uma ação e fiquei um mês parado, em casa, até conseguir sair [do clube]", relembra ele.
Sem as habituais cifras estratosféricas dos boleiros na conta bancária -o teto salarial do Santo André é de R$ 30 mil-, o artilheiro do time, com 14 gols, prefere não pensar no que poderia ter acontecido se tivesse integrado alguma geração de jovens talentos do Santos.
"Isso me amadureceu", diz, enquanto estende a mão para se despedir. "Vai sair domingo, então? Vou falar para o pessoal comprar", avisa, antes de arrastar os chinelos até o refeitório.


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