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MEMÓRIA
Biógrafo de Leônidas relembra episódios em que o jogador, morto anteontem, demarcou o seu lugar na história
"Diamante" tinha noção de sua eternidade
ANDRÉ RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Leônidas da Silva viveu os últimos dez anos de sua vida em um
quarto da clínica São Camilo, cercado de quadros e objetos com recordações de sua carreira gloriosa. Bolas, fotografias, bandeiras
do São Paulo e até mesmo um
uniforme original utilizado na
Copa do Mundo de 1938 não estavam ali apenas como decoração,
mas como importantes instrumentos para estimular a memória
roubada pelo mal de Alzheimer.
Segundo os especialistas, com o
passar do tempo essa doença deixa na cabeça de suas vítimas apenas flashes de suas experiências e,
por isso, manter esses objetos era
importante no seu tratamento.
Leônidas já não falava havia
muito tempo. Nos dez anos em
que esteve internado, uma vez ou
outra conseguiu emitir algumas
frases, mas nada ligado ao futebol
que o consagrou. Uma vez, porém, as teorias de seus médicos
foram comprovadas. Alguns dias
após o lançamento de sua biografia, em 1998, sua mulher, Albertina, ligou aos prantos para o autor
para informar que Leônidas havia
falado uma frase que ela acabara
de ler nas páginas de sua vida.
Desde que se conheceram, em
1954, Leônidas pouco falara de
suas aventuras pelos gramados.
Do episódio ocorrido na concentração da seleção brasileira, no
distante ano de 1938 então, jamais. Todos os jogadores já estavam havia dois dias concentrados
na cidade de Caxambu (MG), e
nada de Leônidas aparecer. A imprensa cobrava insistentemente
qual seria a atitude do técnico da
seleção, Ademar Pimenta. Até
que, cansado pela espera, ele resolveu dizer que, caso o craque
não se apresentasse imediatamente, seria cortado do grupo
que iria embarcar para a disputa
da Copa do Mundo da França.
Bastou dizer isso e veio a informação de que Leônidas acabara
de chegar à estação de trem. Foi
um corre-corre geral. Privilégio
das estrelas, Leônidas contratara
um vagão especial, só para ele e a
mulher, chamado de Pulmann, e
desembarcou tranqüilamente,
após mais de dez horas de viagem
desde a cidade do Rio de Janeiro.
O batalhão de repórteres que o
aguardava começou a disparar
perguntas, uma em especial:
"Leônidas, Ademar Pimenta afirmou que, se você não se apresentasse hoje, seria cortado do grupo.
O que você tem a dizer?".
A resposta foi idêntica à dada
por ele à Albertina no dia em que
recebeu de suas mãos o livro sobre sua vida. Leônidas levantou a
cabeça, disparou um olhar fulminante para a eterna companheira
e, como se estivesse vendo um batalhão de repórteres à sua frente,
disse, com simplicidade: "Eu sou
Leônidas".
Se tinha consciência do que disse à mulher, ninguém jamais saberá. Mas a força de suas palavras,
tanto em 1938 como 60 anos depois, revelavam sua preocupação
de não deixar sua história se apagar na memória.
André Ribeiro, 41, é jornalista, autor de
"Diamante Eterno" (Gryphus), biografia
de Leônidas, e produtor de um filme sobre a história do jogador
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