São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Geraldino vira andarilho para torcer no Maracanã

"Donos" da geral ressurgem e usam tática para fugir da polícia e manter tradição

Após mais de um ano longe do setor, já reformulado, torcedores ignoram cadeira e broncas dos guardas para ver de pé jogo do Estadual


SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

O Maracanã criou um novo perfil de torcedor: o andarilho.
Na reabertura do setor do estádio que fica mais próximo do campo, na noite de anteontem, os geraldinos, antigos ocupantes da área, burlaram a segurança do novo local para manter a tradição de torcer em pé.
Depois de mais de um ano e meio longe dali, eles se recusavam a se sentar nos assentos instalados no setor. Decidiram torcer ""andando" pelo espaço onde funcionava a antiga geral. Na nova reforma do estádio, a geral, setor mais popular do Maracanã, deu lugar a cadeiras.
""Sinto-me um peixe fora d'água. Não consigo ficar sentado. Gosto de ver o jogo de pé, gritando, rezando, incentivando os atletas. Como a polícia não deixa mais isso acontecer, tenho que ficar andando. Mesmo assim, o meu berro continua ajudando o Fluminense", afirmou o tricolor Desirré Rogério de Carvalho, 57, que há 40 anos vê os jogos do seu time todo vestido com as cores do clube.
Conhecido na antiga geral como ""Pelas Pontas", por causa do seu repetitivo grito quando o time ataca, Carvalho freqüentou a área mais popular por 45 anos e afirmou que vai resistir.
""Não sou desordeiro, mas não deixarei isso virar shopping. Só nesta noite [quarta-feira], andei de um lado para o outro por mais de 30 vezes. Os apaixonados vão seguir aqui", disse o mecânico, quase rouco após a vitória do Fluminense.
Igual a Carvalho, dezenas de torcedores assistiam ao jogo em pé e fugindo dos policiais.
""Quando eles pediam que eu me sentasse, eu andava para outro lado. Driblei a polícia durante os 90 minutos do jogo. Vou resistir até o fim. Só vou parar se a polícia me amarrar nestas cadeiras", disse o baiano Aristides Teles, 52, que vê jogos da geral desde o primeiro dia que chegou ao Rio, há 28 anos.
Apesar do ingresso mais caro -pulou de R$ 3 para R$ 10-, os geraldinos mantiveram a irreverência no novo setor, que abriga cerca de 30 mil pessoas e anteontem recebeu por volta de 10 mil. Centenas foram fantasiados. Teles levou uma bandeira branca e o rádio no ouvido, outro símbolo da geral.
""Aqui é um espaço sagrado. Já fui Sarney, pai-de-santo, tornei-me até em torcedor-símbolo em 1989 [ano em que o Botafogo acabou com o jejum de 21 anos sem títulos], quando decidi assistir aos jogos com uma carranca e deu certo. A alegria da minha vida vai estar sempre aqui", afirmou Teles.
O mecânico Robson Ruel, 45, viu o jogo de pé com os três filhos. Todos fantasiados e fugindo de bronca dos policiais. ""A visão é ótima, mas a brincadeira tem que continuar. O futebol precisa deste calor humano", disse Ruel, que se identifica como o ""mascarado tricolor".
Na noite de abertura do Estadual do Rio, em jornada dupla, vários geraldinos levaram faixas avisando que não deixariam o local e o seu jeito de torcer por causa das cadeiras. ""Daqui só saio para a sepultura", afirmou Raimundo Rodrigues, 76, que levava cartaz com a frase: ""Aqui é o meu lugar desde 1950 [ano de inauguração do estádio]".
A polícia, que estava mais preocupada com objetos que poderiam ser atirados da arquibancada no novo setor, informou que não efetuou prisões, mas que os geraldinos terão que se reeducar e, no futuro, permanecer nas cadeiras.


Texto Anterior: Preocupação: Paulo Baier pode ser poupado
Próximo Texto: Ponto positivo: Setor oferece visão privilegiada do campo e de atletas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.