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XICO SÁ
Shakespeare Futebol Clube
"Ser ou não ser, eis a questão" que intrigou craque boêmio e, dada à malandragem de um amigo, despertou seu futebol
AMIGO TORCEDOR, amigo secador, o que muitos dos nossos
jogadores carecem é de um
Shakespeare por testemunha. Como o Shakespeare da Ilha do Retiro,
lá no Sport Recife, protagonista do
episódio que segue.
O técnico Ênio Andrade palestrava com os atletas do Leão do Norte
quando, do nada, vira-se para Henágio, o craque boêmio do time, e sapeca: "Como dizia Shakespeare, ser ou
não ser, eis a questão".
Sempre desconfiado que estavam
de olho nas suas fuzarcas, o rapaz,
que jogava o fino, recebe o colete de
titular, mas fica todo cabreiro. O medo do boleiro diante de Shakespeare.
Henágio não agüenta de tanta curiosidade e vai até o Betão, cujo batismo
é Roberto Taylor, lateral-direito
com origem no Inter, e pergunta
quem diabos seria aquele tal de Shakespeare citado pelo professor.
Mais uns dez minutos de treino, o
lateral, na malandragem, chega até
Henágio e aponta um negrão de dois
metros, do gênero armário, que assiste ao treino, e afirma: "Olha lá,
aquele é o Shakespeare".
Henágio, ex-Santa Cruz e que depois jogaria um tempo no Flamengo, fica nervoso. Faz uma jogada e
mira o Shakespeare, dá um drible e
olha de novo "seu" Shakespeare, cai
pela meia esquerda e lá está o Shakespeare. Uma senhora obsessão.
Acaba o treino, Henágio, possesso,
vai até o Shakespeare e desabafa, toma satisfação, manda mr. Shakespeare tomar conta da sua vida, tremendo sururu na área. Sem entender nada, "seu" Shakespeare, fã dos
dribles de Henágio, pede calma. Não
tem jeito. Sem entender nada, deixa
o campo. Para não ser protagonista
de uma tragédia contra o ídolo, resolve deixar quieto e sair na maciota.
Ainda com Henágio blasfemando,
"seu" Shakespeare deixa a Ilha. Nos
jogos seguintes, o 10 esnobou, abusou na intimidade, aquela quase
pornográfica de craques com a bola.
A comédia de erros ocorreu no fim
dos anos 80, quando este secador
que vos perturba era repórter policial e esportivo no Recife. O caso foi
recontado agora, com mais competência e detalhes, no livro "Comigo
ou sem migo" (ed. Comunigraf), de
Lenivaldo Aragão, bravo pernambucano com 50 anos de crônica.
O título do livro é uma frase do Dedeu, cujo folclore daria uma obra tão
volumosa quanto a de "seu" Shakespeare ou a de Câmara Cascudo, esse
gênio apanhador de costumes. Tem
assinatura de Dedeu -revelado no
Guarany de Sobral e consagrado pelo Náutico-, por exemplo, a patente
da clássica "Eu fiz que ia não foi e
acabei fondo!", esse elástico no tempo, na regência e na gramática.
É, amigo, à sombra de um Shakespeare, um Shakespeare dobrado como um baobá, muitos atletas renderiam mais. A seleção sub-20, você
viu, só reagiu, contra o Uruguai,
diante de certo efeito Shakespeare.
O Romário já teve os seus Shakespeares, os Ronaldos, os Vágner Loves... Moralismos à parte, os Shakespeares servem para acordar os craques em horas fatais nas suas carreiras. Claro que há gênios indomáveis,
não há Shakespeare para eles, são os
Paulo César Cajus, os Helenos de
Freitas, os Garrinchas, salve, salve!
Secadinha pediátrica
No aniversário de São Paulo e do
Tostão, o Cruzeiro leva a copinha.
Parabéns! A semana não foi boa para os tricolores. Secamos os adultos
em Jundiaí e arrancamos o empate. Do jeito que o corvo Edgar gosta,
aos 50min do 2º tempo. Mas secar a
meninada é sacanagem, nem o código de ética do Edgar permite. Só
demos rápida secadinha. Fui com a
família, menos o papagaio Florbé,
porque ele xinga a polícia, como
rap incendiário, e só me arruma
broncas. A musa Leonor mal viu o
jogo. Mas pegou uma cor! Com licença, leitor, que a danada me chama. Era a chance que eu queria para mostrar meu futebol no feriado.
xico.folha@uol.com.br
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