São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

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XICO SÁ

Shakespeare Futebol Clube

"Ser ou não ser, eis a questão" que intrigou craque boêmio e, dada à malandragem de um amigo, despertou seu futebol

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, o que muitos dos nossos jogadores carecem é de um Shakespeare por testemunha. Como o Shakespeare da Ilha do Retiro, lá no Sport Recife, protagonista do episódio que segue.
O técnico Ênio Andrade palestrava com os atletas do Leão do Norte quando, do nada, vira-se para Henágio, o craque boêmio do time, e sapeca: "Como dizia Shakespeare, ser ou não ser, eis a questão".
Sempre desconfiado que estavam de olho nas suas fuzarcas, o rapaz, que jogava o fino, recebe o colete de titular, mas fica todo cabreiro. O medo do boleiro diante de Shakespeare. Henágio não agüenta de tanta curiosidade e vai até o Betão, cujo batismo é Roberto Taylor, lateral-direito com origem no Inter, e pergunta quem diabos seria aquele tal de Shakespeare citado pelo professor.
Mais uns dez minutos de treino, o lateral, na malandragem, chega até Henágio e aponta um negrão de dois metros, do gênero armário, que assiste ao treino, e afirma: "Olha lá, aquele é o Shakespeare".
Henágio, ex-Santa Cruz e que depois jogaria um tempo no Flamengo, fica nervoso. Faz uma jogada e mira o Shakespeare, dá um drible e olha de novo "seu" Shakespeare, cai pela meia esquerda e lá está o Shakespeare. Uma senhora obsessão.
Acaba o treino, Henágio, possesso, vai até o Shakespeare e desabafa, toma satisfação, manda mr. Shakespeare tomar conta da sua vida, tremendo sururu na área. Sem entender nada, "seu" Shakespeare, fã dos dribles de Henágio, pede calma. Não tem jeito. Sem entender nada, deixa o campo. Para não ser protagonista de uma tragédia contra o ídolo, resolve deixar quieto e sair na maciota.
Ainda com Henágio blasfemando, "seu" Shakespeare deixa a Ilha. Nos jogos seguintes, o 10 esnobou, abusou na intimidade, aquela quase pornográfica de craques com a bola.
A comédia de erros ocorreu no fim dos anos 80, quando este secador que vos perturba era repórter policial e esportivo no Recife. O caso foi recontado agora, com mais competência e detalhes, no livro "Comigo ou sem migo" (ed. Comunigraf), de Lenivaldo Aragão, bravo pernambucano com 50 anos de crônica.
O título do livro é uma frase do Dedeu, cujo folclore daria uma obra tão volumosa quanto a de "seu" Shakespeare ou a de Câmara Cascudo, esse gênio apanhador de costumes. Tem assinatura de Dedeu -revelado no Guarany de Sobral e consagrado pelo Náutico-, por exemplo, a patente da clássica "Eu fiz que ia não foi e acabei fondo!", esse elástico no tempo, na regência e na gramática.
É, amigo, à sombra de um Shakespeare, um Shakespeare dobrado como um baobá, muitos atletas renderiam mais. A seleção sub-20, você viu, só reagiu, contra o Uruguai, diante de certo efeito Shakespeare.
O Romário já teve os seus Shakespeares, os Ronaldos, os Vágner Loves... Moralismos à parte, os Shakespeares servem para acordar os craques em horas fatais nas suas carreiras. Claro que há gênios indomáveis, não há Shakespeare para eles, são os Paulo César Cajus, os Helenos de Freitas, os Garrinchas, salve, salve!

Secadinha pediátrica
No aniversário de São Paulo e do Tostão, o Cruzeiro leva a copinha.
Parabéns! A semana não foi boa para os tricolores. Secamos os adultos em Jundiaí e arrancamos o empate. Do jeito que o corvo Edgar gosta, aos 50min do 2º tempo. Mas secar a meninada é sacanagem, nem o código de ética do Edgar permite. Só demos rápida secadinha. Fui com a família, menos o papagaio Florbé, porque ele xinga a polícia, como rap incendiário, e só me arruma broncas. A musa Leonor mal viu o jogo. Mas pegou uma cor! Com licença, leitor, que a danada me chama. Era a chance que eu queria para mostrar meu futebol no feriado.


xico.folha@uol.com.br

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