São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 2006

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FUTEBOL

Cinema abre espaço para histórias de excluídas que usam o esporte para atrair holofotes e reivindicar seus direitos

Com bola, mulher faz levante e vira filme

CLAUDIA REGINA MARTÍNEZ
MATEO SANCHO CARDIEL
DA DPA

Histórias de mulheres que querem atrair holofotes, reivindicar direitos e lutar por melhores condições de vida não são incomuns. No ano da Copa, porém, o futebol virou o meio para elas pelo menos ganharem espaço nas telas.
No prestigiado Festival de Berlim, encerrado no último dia 17, ao menos duas películas arrancaram aplausos do público exibindo situações com essa temática.
Em "Offside" (impedimento, em inglês), o iraniano Jafar Panahi mostrou com humor as dificuldades por que passa um grupo de mulheres pelo fato de tentar assistir à partida classificatória da seleção iraniana para o Mundial deste ano, programado para junho.
O Irã não permite a entrada de mulheres nos estádios e, por isso, elas costumam entrar disfarçadas de rapazes. Em "Offside", várias mulheres são descobertas e levadas por alguns soldados para um setor fechado, ao lado do campo.
Durante os 90 minutos que dura a partida, as moças fazem o possível e o impossível para tomar conhecimento do que está acontecendo no jogo, enquanto os soldados se esforçam para impedir que elas consigam.
"Fizemos esse filme para chamar a atenção para o fato de que não se respeitam os direitos humanos de algumas pessoas e que elas não conseguem levar uma vida normal", explicou Panahi.
Embora o diretor iraniano novamente focalize a discriminação contra as mulheres, como já tinha feito no premiado "O Círculo", desta vez ele apresenta uma imagem bem mais amável da sociedade iraniana, graças ao tom de comédia que conferiu à história.
Panahi admitiu que não é fácil fazer cinema no Irã e conta que recorreu a alguns truques, tais como assinar o roteiro com outro nome, para poder realizar "Offside". Mas ele se mostrou otimista quanto ao futuro, já que um filme seu foi exibido pela primeira vez em Teerã há pouco tempo.
"Sempre houve censura no Irã, antes e depois da revolução. Todos os cineastas têm problemas, mas cada um tem que buscar seu caminho próprio", disse.
Outro filme, uma produção espanhola, percorreu caminho semelhante. O documentário "Estrellas de La Línea", também recebeu boas críticas no Festival de Berlim. Ele retrata a aventura tragicômica de um grupo de prostitutas do bairro pobre de La Línea, na Cidade da Guatemala, e mostra como as mulheres formam um time de futebol para reivindicar sua dignidade e seus direitos como mulheres e mães.
Não se trata, contudo, de uma história verdadeiramente espontânea. O próprio diretor descreve seu filme como "uma história real baseada em um fato fictício".
Tudo porque foi o próprio Chema Rodríguez quem propôs às protagonistas do filme essa maneira original de se manifestarem, pelo futebol, e foi assim que nasceu "Estrellas de La Línea".
"Elas começaram a treinar, e, quando vi que a coisa estava avançando a sério, voltei à Espanha para procurar financiamento para o filme", contou o diretor.
Finalmente, depois de meses de trabalho e 150 horas de rodagem, o filme foi editado para 90 minutos, tempo no qual Rodríguez compõe seu retrato social através de "pessoas que conseguiram equilibrar comédia e drama".
Apesar da seriedade do tema, o filme é impregnado de um humor que não reduz seu caráter realista, pelo contrário, o ressalta.
"A vida é drama disfarçado de comédia, e é esse o cinema que quero fazer", explicou o diretor.
E ele não apenas fez como continua fazendo, já que a história lhe serviu de ponto de partida para seu próximo projeto, no qual pretende recriar a situação das mulheres no mesmo país, Guatemala. Novamente com um fato que servirá para costurar uma crônica social -a rodagem de um filme no interior de um presídio feminino da América Central.
Chema Rodríguez se mostrou satisfeito com o resultado de seu filme, mas não está muito otimista quanto a seu poder de influência. "Não acredito que meu filme possa mudar a situação. Não acredito na capacidade de cineastas e escritores de modificar a realidade social", afirmou.
"Estrellas de La Línea" não foi o único filme em Berlim que Chema Rodríguez desenvolveu relacionado ao esporte. Em meio ao complicado processo de realização de seu documentário, ele foi chamado pelo colega Gerardo Olivares para escrever o argumento de "La Gran Final".
Também relacionado ao futebol, esse filme foi igualmente projetado no Festival de Berlim.
Ao que parece, a presença do futebol nas duas produções não se deu por acaso, já que, como comentou Rodríguez, "o futebol profissional não me interessa em absoluto, mas está presente no cotidiano de todo o mundo".
"Estrellas de La Línea" vai estrear na Espanha no final de abril, mas ainda deve demorar mais a chegar à América Latina, depois de fazer escala em vários festivais.
Não há, portanto, previsão para a obra aportar no Brasil.
Chema Rodríguez reconhece que seu principal objetivo é conseguir exibir na própria Guatemala um filme "feito com poucos recursos e muita ilusão".


Com a Reportagem Local

Tradução de Clara Allain


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