São Paulo, domingo, 26 de abril de 2009

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País do futebol?

Terra Santa

Em meio a poeira, muito churrasco e muita cerveja, Santa Catarina celebra sucesso de público do seu campeonato de automobilismo

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A LONTRAS

A poeira entra nos olhos. Assim é por todo o fim de semana.
Que tem o sabor de carne, de milhares de churrasqueiras que não descansam, e de cerveja, gelada com apuros profissionais, uma questão de honra.
Que tem os cabelos loiros e os olhos claros da rainha e das princesas da Festa Estadual do Leite, que circulam entre o público, assediado por vendedores de óculos escuros, a R$ 12, e de amendoim, a R$ 5 o copo -bem cheio, frisa o ambulante.
Que tem o som onipresente do "puts puts" do tecno, de Pink Floyd, de música gaúcha, de sertanejo, do funk que grita "dedinho na boca, chamando atenção, olho para mim, pro plim plim do meu cordão...".
Sons abafados apenas pelo microfone do narrador Joel Marques Furtado, 48, o Juca Bala. "Valendo pra você, mais uma etapa do Catarinense de automobilismo, em Lontras! Este espetáculo de quatro rodas é a alegria deste mundo!"
E é mesmo a alegria daquele mundo. Mundo de 12 mil pessoas que se reúne uma vez por mês para eventos que são sucesso no Estado: corridas em autódromos de pistas de terra.
Serão dez provas em 2009. Lontras, cidade de 9.500 habitantes a 240 km de Florianópolis, ganhou neste ano a primazia de receber três delas. "Virou solo sagrado", brada Francis Trennepohl, apaixonado por corridas de terra e que mantém um blog, o "Poeira na Veia".
Os ingressos custam R$ 12. E Os postos de venda são locais como a padaria Bolo da Vovó.
A Folha acompanhou no último fim de semana a terceira etapa do campeonato, a primeira em Lontras. E, apesar dos sons, dos sabores e da beleza das meninas, o que marca é mesmo a tal poeira que entra nos olhos, que deixa a garganta seca e as mãos ásperas. Que seria terra, não fossem os carros que passam a até 160 km/h, derrapam, ultrapassam, batem e levantam também o público.
São cinco as categorias, são três os carros. Os Gols bolinha abrigam pilotos das classes Novatos, B e A. Há os velhos Opalas. E os F-1 do pedaço são os Omegas, semelhantes aos usados pela Stock Car até 1999.
Mas os primeiros veículos a entrar no circuito são outros.
Sábado, 9h. Caminhões-pipa percorrem a pista. A equação é delicada: não pode ficar nem muito seca, a ponto de atrapalhar a aderência, nem muito molhada, segurando os carros.
O traçado tem 2 km de subidas e descidas. Os guard-rails são barrancos, árvores, arbustos e cercas de arame farpado. Atrás da primeira curva, o rio Itajaí-Açu. "É como Mônaco", diz Jairo Albuquerque, presidente da Federação de Automobilismo de Santa Catarina.
O primeiro treino começa às 11h. A essa altura, os morros já estão povoados de barracas.
Em Lontras, muitos estacionam caminhões em lugares marcados com 15 dias de antecedência. Descarregam freezeres horizontais, caixas de som, globos de luz, baterias, alternadores. E muita carne e cerveja.
"São dez caixas gelando e mais quatro no carro", conta Rafael Erthal, 26, de Blumenau, líder de uma turma intitulada "Os Bacanas" e que esperava 20 amigos. No domingo, a conta era outra: mais seis caixas tiveram de ser compradas. Média: 24 garrafas por bacana.
Atrás dos boxes, a situação não é lá muito diferente. Cada equipe tem sua área de lazer.
"Aquilo...", diz Reni Grüttner, apontando os carros, "...começou nisto. Na verdade, ainda gosto muito mais disto", completa, mostrando a churrasqueira da sua equipe, a Careca Competições, a mais vitoriosa do Catarinense -15 títulos.
Grüttner é sócio do preparador Edwin Frehner, o Careca. E que, hoje, tira seu sustento da terra. Para ter um carro ajustado por ele, cada piloto gasta de R$ 100 mil a R$ 120 mil por ano. Em Lontras, eram cinco de Omega e um de Opala.
Entre eles, Mauricio Reuter. Que, campeão da categoria principal em 2007 e 2008, consegue bancar 80% dos custos com patrocinadores. "Quero ir para a Stock Car, mas é difícil, precisa ter mais patrocínio."
O sábado termina, e Reuter é o pole entre os Omegas. A média da melhor volta, 86 km/h. Terminam as atividades na pista. Continuam, mais intensas, as festas nos acampamentos.
"É música de todo lado e não dá pra entender nenhuma", diz Leidiane Silva, 18, para quem a corrida é um detalhe. "A gente vem porque este é um lugar onde dá para fazer o que quiser."
Uma rave motorizada. Enquanto muitos dançam, flertam, beijam e daí por diante, outros cavam espaço para passar de carros e motos. Não vão a lugar nenhum, a ideia é circular. Assim segue a madrugada...
Domingo, 10h. Os morros ainda fervem quando começam os treinos de aquecimento. A atração nos boxes é Alceu Feldmann, 35, piloto da Stock, que começou a carreira na terra.
"O carro aqui só anda de lado. Está sempre no limite de escapar, ir pro barranco. A pista muda muito a cada volta, surgem buracos, a terra fica mexida. É uma baita escola."
Quem aprende concorda. "A direção tem que ser mais refinada. A freada não é precisa, tem muito totó. Só de retrovisor, pode vir uma caixa por corrida", diz Walter Schmitz Neto, 28, que corre de Gol há seis.
A largada para a primeira corrida, enfim, acontece às 11h20. Os novatos batem do começo ao fim. "A gente pede para não atravessarem a pista. A sua família agradece", pede Juca Bala no microfone quando um casal corta uma curva caminhando, cerveja nas mãos.
Na categoria Omega, Reuter vence pela segunda vez no ano.
Atrás do pódio, uma churrasqueira assa enormes chuletas.


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