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País do futebol?
Terra Santa
Em meio a poeira, muito churrasco e muita cerveja, Santa Catarina celebra sucesso de público do seu campeonato de automobilismo
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A LONTRAS
A poeira entra nos olhos. Assim é por todo o fim de semana.
Que tem o sabor de carne, de
milhares de churrasqueiras
que não descansam, e de cerveja, gelada com apuros profissionais, uma questão de honra.
Que tem os cabelos loiros e os
olhos claros da rainha e das
princesas da Festa Estadual do
Leite, que circulam entre o público, assediado por vendedores de óculos escuros, a R$ 12, e
de amendoim, a R$ 5 o copo
-bem cheio, frisa o ambulante.
Que tem o som onipresente
do "puts puts" do tecno, de
Pink Floyd, de música gaúcha,
de sertanejo, do funk que grita
"dedinho na boca, chamando
atenção, olho para mim, pro
plim plim do meu cordão...".
Sons abafados apenas pelo
microfone do narrador Joel
Marques Furtado, 48, o Juca
Bala. "Valendo pra você, mais
uma etapa do Catarinense de
automobilismo, em Lontras!
Este espetáculo de quatro rodas é a alegria deste mundo!"
E é mesmo a alegria daquele
mundo. Mundo de 12 mil pessoas que se reúne uma vez por
mês para eventos que são sucesso no Estado: corridas em
autódromos de pistas de terra.
Serão dez provas em 2009.
Lontras, cidade de 9.500 habitantes a 240 km de Florianópolis, ganhou neste ano a primazia de receber três delas. "Virou
solo sagrado", brada Francis
Trennepohl, apaixonado por
corridas de terra e que mantém
um blog, o "Poeira na Veia".
Os ingressos custam R$ 12. E
Os postos de venda são locais
como a padaria Bolo da Vovó.
A Folha acompanhou no último fim de semana a terceira
etapa do campeonato, a primeira em Lontras. E, apesar
dos sons, dos sabores e da beleza das meninas, o que marca é
mesmo a tal poeira que entra
nos olhos, que deixa a garganta
seca e as mãos ásperas. Que seria terra, não fossem os carros
que passam a até 160 km/h,
derrapam, ultrapassam, batem
e levantam também o público.
São cinco as categorias, são
três os carros. Os Gols bolinha
abrigam pilotos das classes Novatos, B e A. Há os velhos Opalas. E os F-1 do pedaço são os
Omegas, semelhantes aos usados pela Stock Car até 1999.
Mas os primeiros veículos a
entrar no circuito são outros.
Sábado, 9h. Caminhões-pipa
percorrem a pista. A equação é
delicada: não pode ficar nem
muito seca, a ponto de atrapalhar a aderência, nem muito
molhada, segurando os carros.
O traçado tem 2 km de subidas e descidas. Os guard-rails
são barrancos, árvores, arbustos e cercas de arame farpado.
Atrás da primeira curva, o rio
Itajaí-Açu. "É como Mônaco",
diz Jairo Albuquerque, presidente da Federação de Automobilismo de Santa Catarina.
O primeiro treino começa às
11h. A essa altura, os morros já
estão povoados de barracas.
Em Lontras, muitos estacionam caminhões em lugares
marcados com 15 dias de antecedência. Descarregam freezeres horizontais, caixas de som,
globos de luz, baterias, alternadores. E muita carne e cerveja.
"São dez caixas gelando e
mais quatro no carro", conta
Rafael Erthal, 26, de Blumenau, líder de uma turma intitulada "Os Bacanas" e que esperava 20 amigos. No domingo, a
conta era outra: mais seis caixas tiveram de ser compradas.
Média: 24 garrafas por bacana.
Atrás dos boxes, a situação
não é lá muito diferente. Cada
equipe tem sua área de lazer.
"Aquilo...", diz Reni Grüttner, apontando os carros, "...começou nisto. Na verdade, ainda
gosto muito mais disto", completa, mostrando a churrasqueira da sua equipe, a Careca
Competições, a mais vitoriosa
do Catarinense -15 títulos.
Grüttner é sócio do preparador Edwin Frehner, o Careca.
E que, hoje, tira seu sustento da
terra. Para ter um carro ajustado por ele, cada piloto gasta de
R$ 100 mil a R$ 120 mil por
ano. Em Lontras, eram cinco
de Omega e um de Opala.
Entre eles, Mauricio Reuter.
Que, campeão da categoria
principal em 2007 e 2008, consegue bancar 80% dos custos
com patrocinadores. "Quero ir
para a Stock Car, mas é difícil,
precisa ter mais patrocínio."
O sábado termina, e Reuter é
o pole entre os Omegas. A média da melhor volta, 86 km/h.
Terminam as atividades na pista. Continuam, mais intensas,
as festas nos acampamentos.
"É música de todo lado e não
dá pra entender nenhuma", diz
Leidiane Silva, 18, para quem a
corrida é um detalhe. "A gente
vem porque este é um lugar onde dá para fazer o que quiser."
Uma rave motorizada. Enquanto muitos dançam, flertam, beijam e daí por diante,
outros cavam espaço para passar de carros e motos. Não vão
a lugar nenhum, a ideia é circular. Assim segue a madrugada...
Domingo, 10h. Os morros
ainda fervem quando começam
os treinos de aquecimento. A
atração nos boxes é Alceu Feldmann, 35, piloto da Stock, que
começou a carreira na terra.
"O carro aqui só anda de lado. Está sempre no limite de
escapar, ir pro barranco. A pista muda muito a cada volta,
surgem buracos, a terra fica
mexida. É uma baita escola."
Quem aprende concorda. "A
direção tem que ser mais refinada. A freada não é precisa,
tem muito totó. Só de retrovisor, pode vir uma caixa por corrida", diz Walter Schmitz Neto,
28, que corre de Gol há seis.
A largada para a primeira
corrida, enfim, acontece às
11h20. Os novatos batem do começo ao fim. "A gente pede para não atravessarem a pista. A
sua família agradece", pede Juca Bala no microfone quando
um casal corta uma curva caminhando, cerveja nas mãos.
Na categoria Omega, Reuter
vence pela segunda vez no ano.
Atrás do pódio, uma churrasqueira assa enormes chuletas.
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