São Paulo, terça-feira, 26 de junho de 2001

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FUTEBOL

Assistindo com o inimigo

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

H á poucos dias, recebi um e-mail que começava assim:
"Naquela tarde de domingo, ano de 1986, meu pai me levava pela primeira vez para assistir a uma partida de futebol profissional. Fui à Vila Belmiro, que no transcorrer dos anos se transformou na extensão da minha vida, numa espécie de imenso pote de ilusão. A partida era entre Santos e São Paulo.
Lembro-me de ter ficado ao lado de um são-paulino, menino como eu, inocente como eu, aprendiz como eu".
Valdomiro Neto, o autor do e-mail, lamenta o fato de não poder mais assistir, como no passado, a partidas de futebol ao lado de torcedores da equipe adversária.
É realmente uma grande perda não poder mais se sentar perto dos inimigos.
Recordo-me de ter visto vários jogos em minha distante adolescência, na Vila Belmiro e no Pacaembu, onde havia um ou mais torcedores do outro time perto de mim.
Enquanto espremia espinhas, me divertia escutando as piadas trocadas pelas torcidas. Nesses dias os disparos eram só verbais.
Com o tempo essa mentalidade foi mudando, aqui e no exterior. Os ânimos foram ficando exaltados, a cortesia entre as torcidas deixou de existir, e começamos a ouvir falar de tragédias. As torcidas se fecharam em guetos e transformaram-se em tribos inimigas.
Os estádios tornaram-se, então, o espaço da ferocidade.
Adolescentes violentos e sem perspectiva, a maioria tendo o seu time como única fonte de alegria, passaram a ser a fauna dominante nas arquibancadas dos estádios, espantando idosos, mulheres, crianças e homens que prezam a vida.
Isso modificou também os costumes e o uso do espaço nos estádios. Intensificaram-se as revistas e as apreensões de material bélico. Os torcedores passaram a ser divididos por cordas, como se fossem animais irracionais sedentos de sangue.
A própria Polícia Militar, que poderia estar oferecendo maior segurança à sociedade, passou a deslocar contingentes cada vez mais numerosos para poder conter a fúria desses tipos.
Não sou utópico nem dado à poesia suspirante, mas acho que deveríamos tentar trazer de volta um pouco dessa cordialidade perdida. Poderia, por exemplo, haver nos estádios um pequeno canto reservado para amigos que, por uma razão ou outra, torcem para times diferentes.
E mais: para que tal atitude fosse encorajada, dois torcedores que fossem assistir a uma partida juntos e com as camisas dos dois times em confronto pagariam apenas um ingresso.
Creio que desse modo estaríamos incentivando e premiando a idéia de que o futebol é importante, mas muito mais importantes são a amizade, o bom humor e o respeito à diferença.
E o e-mail de Valdomiro termina assim:
"Ainda bem que minha memória guarda aquele momento de sublime humanismo, de vital democracia.
Sempre que a violência vingar nos campos fecharei os olhos e resgatarei o momento em que os meninos se respeitaram.
Fiquei com o Santos, não contra o São Paulo. Fiquei com a paz, não com a truculência. Espero que os deuses me entendam, mas não nasci para ver o que estou vendo. Com 23 anos, tenho medo de ir a estádios".

Transmissões
O Ibope da F-1 ainda é maior do que o da Indy, mas, pelo menos neste fim de semana, foi muito melhor assistir à segunda. A prova teve várias ultrapassagens, e o espectador tinha para quem torcer, pois sempre havia um piloto brasileiro nas primeiras posições. Além disso, a transmissão também me pareceu melhor. A narração de Oscar Ulisses é empolgada e não tem os bordões e vícios de um Galvão Bueno, os comentários do ex-piloto André Ribeiro trazem detalhes que só um ex-piloto saberia e, ainda por cima, há os pitecos de Emerson Fittipaldi, bicampeão da F-1 e campeão da Indy, o que sempre acrescenta algum charme à transmissão.

Deuses e seleção
Nike, Globo e AmBev. Está na Bíblia que ninguém pode seguir a dois senhores, mas não há nada contra três. Ainda mais se eles pagarem em dólar. Sai o livro dos livros e entra o livro-caixa.

E-mail: torero@uol.com.br


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