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FUTEBOL
Assistindo com o inimigo
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
H á poucos dias, recebi um
e-mail que começava assim:
"Naquela tarde de domingo,
ano de 1986, meu pai me levava
pela primeira vez para assistir a
uma partida de futebol profissional. Fui à Vila Belmiro, que
no transcorrer dos anos se transformou na extensão da minha
vida, numa espécie de imenso
pote de ilusão. A partida era entre Santos e São Paulo.
Lembro-me de ter ficado ao
lado de um são-paulino, menino como eu, inocente como eu,
aprendiz como eu".
Valdomiro Neto, o autor do e-mail, lamenta o fato de não poder mais assistir, como no passado, a partidas de futebol ao lado de torcedores da equipe adversária.
É realmente uma grande perda não poder mais se sentar perto dos inimigos.
Recordo-me de ter visto vários
jogos em minha distante adolescência, na Vila Belmiro e no Pacaembu, onde havia um ou
mais torcedores do outro time
perto de mim.
Enquanto espremia espinhas,
me divertia escutando as piadas
trocadas pelas torcidas. Nesses
dias os disparos eram só verbais.
Com o tempo essa mentalidade foi mudando, aqui e no exterior. Os ânimos foram ficando
exaltados, a cortesia entre as
torcidas deixou de existir, e começamos a ouvir falar de tragédias. As torcidas se fecharam em
guetos e transformaram-se em
tribos inimigas.
Os estádios tornaram-se, então, o espaço da ferocidade.
Adolescentes violentos e sem
perspectiva, a maioria tendo o
seu time como única fonte de
alegria, passaram a ser a fauna
dominante nas arquibancadas
dos estádios, espantando idosos,
mulheres, crianças e homens
que prezam a vida.
Isso modificou também os costumes e o uso do espaço nos estádios. Intensificaram-se as revistas e as apreensões de material bélico. Os torcedores passaram a ser divididos por cordas,
como se fossem animais irracionais sedentos de sangue.
A própria Polícia Militar, que
poderia estar oferecendo maior
segurança à sociedade, passou a
deslocar contingentes cada vez
mais numerosos para poder
conter a fúria desses tipos.
Não sou utópico nem dado à
poesia suspirante, mas acho que
deveríamos tentar trazer de volta um pouco dessa cordialidade
perdida. Poderia, por exemplo,
haver nos estádios um pequeno
canto reservado para amigos
que, por uma razão ou outra,
torcem para times diferentes.
E mais: para que tal atitude
fosse encorajada, dois torcedores que fossem assistir a uma
partida juntos e com as camisas
dos dois times em confronto pagariam apenas um ingresso.
Creio que desse modo estaríamos incentivando e premiando
a idéia de que o futebol é importante, mas muito mais importantes são a amizade, o bom humor e o respeito à diferença.
E o e-mail de Valdomiro termina assim:
"Ainda bem que minha memória guarda aquele momento
de sublime humanismo, de vital
democracia.
Sempre que a violência vingar
nos campos fecharei os olhos e
resgatarei o momento em que os
meninos se respeitaram.
Fiquei com o Santos, não contra o São Paulo. Fiquei com a
paz, não com a truculência. Espero que os deuses me entendam, mas não nasci para ver o
que estou vendo. Com 23 anos,
tenho medo de ir a estádios".
Transmissões
O Ibope da F-1 ainda é maior do que o da Indy, mas, pelo menos
neste fim de semana, foi muito melhor assistir à segunda. A
prova teve várias ultrapassagens, e o espectador tinha para
quem torcer, pois sempre havia um piloto brasileiro nas primeiras posições. Além disso, a transmissão também me pareceu melhor. A narração de Oscar Ulisses é empolgada e não tem
os bordões e vícios de um Galvão Bueno, os comentários do ex-piloto André Ribeiro trazem detalhes que só um ex-piloto saberia e, ainda por cima, há os pitecos de Emerson Fittipaldi, bicampeão da F-1 e campeão da Indy, o que sempre acrescenta algum charme à transmissão.
Deuses e seleção
Nike, Globo e AmBev. Está na Bíblia que ninguém pode seguir a
dois senhores, mas não há nada contra três. Ainda mais se eles
pagarem em dólar. Sai o livro dos livros e entra o livro-caixa.
E-mail: torero@uol.com.br
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