São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 2006

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Tá bom? Tabom!

Em Gana, a comunidade Tabom, de descendentes de ex-escravos do Brasil, se divide entre as duas seleções na partida das quartas-de-final da Copa

ORLA RYAN
DA REUTERS, EM ACRA (GANA)

Amanhã, quando o chefe tribal ganês Nii Azumah 5º se sentar para ver a partida entre a equipe de seu país e a seleção brasileira por um lugar nas quartas-de-final da Copa, seus sentimentos estarão divididos.
Ele é um dos cerca de 2.000 descendentes diretos de um grupo de 70 escravos brasileiros que compraram sua liberdade e retornaram ao continente de seus ancestrais há quase dois séculos.
"Eu me defino como um ganês. Na minha cabeça, vou torcer pelo Brasil, mas meu coração bate por Gana. Na minha cabeça, meus ascendentes vêm de lá [do Brasil]. Haja o que houver, tenho que estar com eles", afirma Azumah 5º.
"Se fosse qualquer outro time, eu seria 100% Brasil. Mas nasci, fui criado e educado em Gana", acrescenta o líder tribal.
O bisavô de Azumah 5º era o líder da primeira geração da comunidade Tabom, como os ganenses batizaram os ex-escravos vindos do Brasil. O nome vem da saudação que os recém-chegados, que só falavam português, utilizavam. Questionados sobre como estavam, sempre respondiam: "Tá bom!".
Tetracampeã da Copa da África, a seleção ganense ganhou o apelido de "brasileiros africanos" em homenagem aos atuais campeões mundiais.
O elo entre os dois países tem origem no tráfico de escravos, em que centenas de milhares de africanos foram vendidos ao Brasil, ao Caribe e aos EUA, no período da colonização.
Muitos escravos brasileiros libertos voltaram à África ocidental para morar em países como Gana, Nigéria, Togo e Benin. A presença deles ainda é visível em Jamestown, bairro da região portuária de Acra, capital de Gana. Lá fica a Brazil House, na alameda Brazil, local onde os imigrantes se estabeleceram a partir de 1836.
Acredita-se que os tabons foram os primeiros a levar tesouras para a África ocidental. Em Jamestown, montaram uma alfaiataria, até hoje reduto dos descendentes de brasileiros.
Foram também responsáveis em Gana pelo cultivo de manga, mandioca, feijão e outros vegetais, além de levarem do Brasil habilidades como técnicas de irrigação, carpintaria, arquitetura e trabalhos com metais, especialmente os preciosos.
Ainda hoje, os tabons conseguem preservar suas tradições, apesar de terem se integrado à comunidade Ga-dangbe, fortíssima em Acra e que representa 10% da população de Gana.
Sua comida, sua dança e sua música refletem a influência brasileira -as letras de algumas canções contêm palavras da língua portuguesa. E muitos ganenses defendem relações mais fortes com o Brasil.
"Gostaria de ir à Bahia e encontrar o maior número possível de negros. Alguns deles são empresários e poderiam se unir a nós aqui em Gana", acredita o chefe tribal Azumah 5º.
Para o advogado Nii Nelson, também tabom, o Brasil poderia fazer mais pelos ganenses. "Nós temos laços, famílias lá [no Brasil]. Nós somos os primos pobres. Eles são os primos ricos", argumenta Nelson.
Tais laços entre os dois povos ficaram mais evidentes em abril do ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Gana, durante um tour por cinco países africanos.
Lula foi o convidado de honra em uma cerimônia dos descendentes de escravos, vestiu uma bata branca e ganhou uma manta que é entregue apenas aos que passam a ser reis da comunidade Tabom. Durante a celebração, o presidente disse estar se "sentindo no Brasil".


Colaborou a Reportagem Local


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