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Tá bom? Tabom!
Em Gana, a comunidade Tabom, de descendentes de ex-escravos do Brasil, se divide entre as duas seleções na partida das quartas-de-final da Copa
ORLA RYAN
DA REUTERS, EM ACRA (GANA)
Amanhã, quando o chefe tribal ganês Nii Azumah 5º se sentar para ver a partida entre a
equipe de seu país e a seleção
brasileira por um lugar nas
quartas-de-final da Copa, seus
sentimentos estarão divididos.
Ele é um dos cerca de 2.000
descendentes diretos de um
grupo de 70 escravos brasileiros que compraram sua liberdade e retornaram ao continente de seus ancestrais há
quase dois séculos.
"Eu me defino como um ganês. Na minha cabeça, vou torcer pelo Brasil, mas meu coração bate por Gana. Na minha
cabeça, meus ascendentes vêm
de lá [do Brasil]. Haja o que
houver, tenho que estar com
eles", afirma Azumah 5º.
"Se fosse qualquer outro time, eu seria 100% Brasil. Mas
nasci, fui criado e educado em
Gana", acrescenta o líder tribal.
O bisavô de Azumah 5º era o
líder da primeira geração da comunidade Tabom, como os ganenses batizaram os ex-escravos vindos do Brasil. O nome
vem da saudação que os recém-chegados, que só falavam português, utilizavam. Questionados sobre como estavam, sempre respondiam: "Tá bom!".
Tetracampeã da Copa da
África, a seleção ganense ganhou o apelido de "brasileiros
africanos" em homenagem aos
atuais campeões mundiais.
O elo entre os dois países tem
origem no tráfico de escravos,
em que centenas de milhares
de africanos foram vendidos ao
Brasil, ao Caribe e aos EUA, no
período da colonização.
Muitos escravos brasileiros
libertos voltaram à África ocidental para morar em países
como Gana, Nigéria, Togo e Benin. A presença deles ainda é visível em Jamestown, bairro da
região portuária de Acra, capital de Gana. Lá fica a Brazil
House, na alameda Brazil, local
onde os imigrantes se estabeleceram a partir de 1836.
Acredita-se que os tabons foram os primeiros a levar tesouras para a África ocidental. Em
Jamestown, montaram uma alfaiataria, até hoje reduto dos
descendentes de brasileiros.
Foram também responsáveis
em Gana pelo cultivo de manga,
mandioca, feijão e outros vegetais, além de levarem do Brasil
habilidades como técnicas de
irrigação, carpintaria, arquitetura e trabalhos com metais, especialmente os preciosos.
Ainda hoje, os tabons conseguem preservar suas tradições,
apesar de terem se integrado à
comunidade Ga-dangbe, fortíssima em Acra e que representa
10% da população de Gana.
Sua comida, sua dança e sua
música refletem a influência
brasileira -as letras de algumas canções contêm palavras
da língua portuguesa. E muitos
ganenses defendem relações
mais fortes com o Brasil.
"Gostaria de ir à Bahia e encontrar o maior número possível de negros. Alguns deles são
empresários e poderiam se unir
a nós aqui em Gana", acredita o
chefe tribal Azumah 5º.
Para o advogado Nii Nelson,
também tabom, o Brasil poderia fazer mais pelos ganenses.
"Nós temos laços, famílias lá
[no Brasil]. Nós somos os primos pobres. Eles são os primos
ricos", argumenta Nelson.
Tais laços entre os dois povos
ficaram mais evidentes em
abril do ano passado, quando o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva visitou Gana, durante um
tour por cinco países africanos.
Lula foi o convidado de honra
em uma cerimônia dos descendentes de escravos, vestiu uma
bata branca e ganhou uma
manta que é entregue apenas
aos que passam a ser reis da comunidade Tabom. Durante a
celebração, o presidente disse
estar se "sentindo no Brasil".
Colaborou a Reportagem Local
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