São Paulo, sexta-feira, 26 de julho de 2002

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FUTEBOL

Um gauche na vida

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Como acontece em todas as últimas sextas-feiras do mês, fui consultar o supremo hierofante Zé Cabala. Dessa vez, porém, pedi que nos encontrássemos no Morumbi. Com duas horas de atraso, o grande mestre do ocultismo chegou em seu Fusca 66. Gulliver estava ao volante.
- Por que você marcou o encontro nesse fim de mundo?, ele perguntou esbravejando.
- Chamei o senhor aqui porque queria aprender a respeito do maior ponta-esquerda da história do São Paulo.
- Hum..., resmungou Zé Cabala. Tudo bem, mas antes você vai me pagar uma tapioca.
Não me fiz de rogado e comprei duas tapiocas de leite condensado -uma para o mestre e outra para Gulliver. Depois de mastigar com calma e repetir o prato, Zé Cabala começou a dançar uma espécie de bumba-meu-boi:
- Muito prazer e desculpe a demora.
- O senhor é...
- É não, era, que eu morri em 1974, com 42 anos. Meu nome foi José Ribamar de Oliveira, seu criado.
- Se o seu nome era Ribamar, deve ter nascido no Maranhão.
- Exatamente. Sou de Coroatá. Quando nasci, em 1932 ou 1933, um anjo torto, desses que vivem nas trevas, disse: "Vai José Ribamar, ser gauche na vida". E eu fui ser gauche. Tanto que meu apelido era Canhoteiro.
- Era com o senhor que eu queria falar. Gostaria que me contasse sua história no futebol.
- É uma história com dois amores: o América, do Ceará, que me revelou, e o São Paulo, onde vivi os melhores anos da minha vida. Fiz 415 jogos pelo Tricolor.
- A sua especialidade era fazer gols, não é?
- Não, não, meu filho. A minha fama veio mais por causa dos dribles e do jeito como eu conseguia me livrar dos marcadores em espaços pequenos. Eu me divertia tirando eles para dançar: um pra lá, dois pra cá. Marquei, mesmo assim, mais de cem gols.
- Apesar disso, o senhor nunca disputou uma Copa do Mundo...
- É verdade. Tive o azar de nascer na mesma geração de Zagallo e Pepe. Os técnicos da seleção reconheciam o meu talento, mas preferiram misturar, em 1958 e 1962, a eficiência tática do Zagallo e o perigo de gol que era o canhão do Pepe. Eu acho uma injustiça, mas fazer o quê? Para piorar, no meu tempo, o São Paulo estava construindo o Morumbi e nunca formava grandes elencos, tanto que títulos mesmo eu só ganhei um: o Paulista de 1957. São coisas da vida. Até hoje imagino como seria o ataque com Garrincha na direita e eu na esquerda.
- Dizem que seu medo de avião atrapalhou um pouco.
- Meu filho, nem agora que eu tenho asas eu gosto de voar, imagine naquele tempo! Daí que eu perdia uns jogos... Na verdade, meu meio de transporte favorito era caminhão. Acho que é porque meu primeiro trabalho foi ser motorista de caminhão lá no norte.
- Ser reverenciado até hoje pelos são-paulinos o envaidece?
- Claro. Mesmo as pessoas que só viram Paraná e Zé Sérgio falam de mim com admiração. E no meu tempo tive até fã-clube! Tudo isso me deixa muito feliz aqui deste lado do mistério.
Logo depois, Zé Cabala voltou ao normal e pediu que eu lhe pagasse outra tapioca. A entrevista tinha acabado. Foi curta, mas serviu para que eu aprendesse alguma coisa mais a respeito de um dos craques que fazem o mortal futebol parecer um jogo celeste.

Bósnia
Para alegria dos torcedores, a seleção brasileira é pentacampeã e voltou ao topo do ranking mundial. Por outro lado, o povo brasileiro não tem tantos motivos para festejar. Segundo o mais recente relatório sobre o Desenvolvimento Humano da ONU, ocupamos uma esforçada 73ª colocação, perdendo longe dos primos Argentina, Uruguai e Chile, todos entre a 34ª e a 40ª posição. Em termos esportivos, é como se a sociedade brasileira estivesse jogando um futebol semelhante ao da seleção da Bósnia-Herzegóvina, a 73ª do ranking da Fifa. Nada animador.

Quase lá
E o São Caetano está bem perto de entrar no seleto clube de times brasileiros que já foram campeões da Libertadores. Um clube em que só um gaúcho, um mineiro, dois cariocas e três paulistas têm a carteirinha de sócio.

E-mail torero@uol.com.br



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