São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2004

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FUTEBOL

Brasileiras tentam conquistar medalha que nem os homens ganharam para o país

Alunas enfrentam mestras, trauma e desemprego na decisão pelo ouro

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

A capitã Juliana diz que enfrentou preconceito por jogar futebol e que só não largou o esporte porque o pai não deixou. Andréia, Tânia, Pretinha, Daniela e outras oito, 12 no total, ou dois terços do grupo, enfrentam o desemprego. O técnico, Renê Simões, encara a falta de recursos que o impediu de comprar um software para fazer análises de times adversários.
Além de tudo isso, hoje essa delegação quixotesca enfrenta um tabu longevo, gigantesco. Um "Everest", na definição do treinador. Como se não bastasse, do outro lado do campo estará a mais bem-sucedida escola da história. Jogadoras que as brasileiras reconhecem como suas mestras.
Às 15h, as seleções femininas de Brasil e EUA entram no gramado no estádio Karaiskaki, em Atenas, para a final do torneio olímpico.
São dois os traumas que a equipe brasileira tem pela frente.
1) O tabu. O ouro olímpico é o único título que o futebol brasileiro, pentacampeão mundial, não tem. Por duas vezes, em 84 e 88, os homens foram prata. Para Atenas, não se classificaram.
2) O histórico. A seleção conta com um retrospecto catastrófico contra as americanas: em 21 jogos, uma vitória. Em 1997, no Canindé, que o técnico não considera. "Fui investigar e descobri que não era a seleção A. Era uma de universitárias", diz Renê. "Continuamos zerados. É uma luta de Davi contra Golias." Na primeira fase, as rivais ganharam de 2 a 0.
Tabus que aparentemente não preocupam as brasileiras. Ontem, após uma animada roda de samba na Vila Olímpica, o discurso era de confiança. As alunas dizem ter aprendido com as mestras.
"Aprendi a entendê-las. Sei os passos que elas vão dar. Joguei com algumas delas", diz Daniela, que atuou no San Diego Spirit.
"Aprendi muito sobre o trabalho, a organização, a importância do trabalho físico, da força."
Mais experiente jogadora do grupo, presente no pioneiro Mundial feminino, em 91, a atacante Pretinha já deixou uma marca no futebol dos EUA. Em 2001, jogando pelo Washington Freedom, marcou o primeiro gol da história da liga americana.
"Elas fazem uma boa marcação, são boas taticamente, tocam muito rápido", afirma. "Aprendi a ter um pouco da frieza delas, aprendi o valor da marcação. E a não desistir. Para elas não tem bola perdida. Procuro seguí-las."
O próprio treinador, após anos trabalhando com homens, admite que aprendeu com os EUA.
"Entre as mulheres, é o futebol mais evoluído do mundo. Dei cursos lá em 87 e já naquela época comecei a ver as meninas jogando. Descobri que não era nada do que se falava no Brasil, de que quem joga não é feminina, não é mulher", declara Renê, que lamentou não ter usado o mesmo recurso dos EUA na preparação.
"Elas usam um software para analisar as adversárias que custa muito dinheiro, e eu não pude contar com isso desta vez."
Dinheiro que não é um problema só para o técnico. Das 18 jogadoras, 12 hoje estão sem emprego. Cenário inimaginável no time masculino, algumas delas, como Andréia e Tânia, largaram clubes na Europa para atuar nos Jogos.
"Meu contrato era até junho, mas como vim pra seleção em março, me mandaram embora", diz a goleira Andréia, que atuava na Espanha. "Fiz a opção de servir meu país e estou sem clube", repete Daniela, que jogava na Suécia. "Foi um investimento. Acho que vou sair valorizada."
Todas já estão. Algumas ainda não sabem, mas já têm propostas de clubes europeus. Ninguém, porém, resume o sentimento do grupo como Juliana, não por acaso a capitã. "Só quero voltar ao Brasil e ver as meninas jogando nos parques, não sofrendo preconceito da família ou dos amigos. Isso é o mais importante."


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