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FUTEBOL
Brasileiras tentam conquistar medalha que nem os homens ganharam para o país
Alunas enfrentam mestras, trauma e desemprego na decisão pelo ouro
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
A capitã Juliana diz que enfrentou preconceito por jogar futebol
e que só não largou o esporte porque o pai não deixou. Andréia,
Tânia, Pretinha, Daniela e outras
oito, 12 no total, ou dois terços do
grupo, enfrentam o desemprego.
O técnico, Renê Simões, encara a
falta de recursos que o impediu de
comprar um software para fazer
análises de times adversários.
Além de tudo isso, hoje essa delegação quixotesca enfrenta um
tabu longevo, gigantesco. Um
"Everest", na definição do treinador. Como se não bastasse, do outro lado do campo estará a mais
bem-sucedida escola da história.
Jogadoras que as brasileiras reconhecem como suas mestras.
Às 15h, as seleções femininas de
Brasil e EUA entram no gramado
no estádio Karaiskaki, em Atenas,
para a final do torneio olímpico.
São dois os traumas que a equipe brasileira tem pela frente.
1) O tabu. O ouro olímpico é o
único título que o futebol brasileiro, pentacampeão mundial, não
tem. Por duas vezes, em 84 e 88, os
homens foram prata. Para Atenas, não se classificaram.
2) O histórico. A seleção conta
com um retrospecto catastrófico
contra as americanas: em 21 jogos, uma vitória. Em 1997, no Canindé, que o técnico não considera. "Fui investigar e descobri que
não era a seleção A. Era uma de
universitárias", diz Renê. "Continuamos zerados. É uma luta de
Davi contra Golias." Na primeira
fase, as rivais ganharam de 2 a 0.
Tabus que aparentemente não
preocupam as brasileiras. Ontem,
após uma animada roda de samba na Vila Olímpica, o discurso
era de confiança. As alunas dizem
ter aprendido com as mestras.
"Aprendi a entendê-las. Sei os
passos que elas vão dar. Joguei
com algumas delas", diz Daniela,
que atuou no San Diego Spirit.
"Aprendi muito sobre o trabalho, a organização, a importância
do trabalho físico, da força."
Mais experiente jogadora do
grupo, presente no pioneiro
Mundial feminino, em 91, a atacante Pretinha já deixou uma
marca no futebol dos EUA. Em
2001, jogando pelo Washington
Freedom, marcou o primeiro gol
da história da liga americana.
"Elas fazem uma boa marcação,
são boas taticamente, tocam muito rápido", afirma. "Aprendi a ter
um pouco da frieza delas, aprendi
o valor da marcação. E a não desistir. Para elas não tem bola perdida. Procuro seguí-las."
O próprio treinador, após anos
trabalhando com homens, admite
que aprendeu com os EUA.
"Entre as mulheres, é o futebol
mais evoluído do mundo. Dei
cursos lá em 87 e já naquela época
comecei a ver as meninas jogando. Descobri que não era nada do
que se falava no Brasil, de que
quem joga não é feminina, não é
mulher", declara Renê, que lamentou não ter usado o mesmo
recurso dos EUA na preparação.
"Elas usam um software para
analisar as adversárias que custa
muito dinheiro, e eu não pude
contar com isso desta vez."
Dinheiro que não é um problema só para o técnico. Das 18 jogadoras, 12 hoje estão sem emprego.
Cenário inimaginável no time
masculino, algumas delas, como
Andréia e Tânia, largaram clubes
na Europa para atuar nos Jogos.
"Meu contrato era até junho,
mas como vim pra seleção em
março, me mandaram embora",
diz a goleira Andréia, que atuava
na Espanha. "Fiz a opção de servir
meu país e estou sem clube", repete Daniela, que jogava na Suécia. "Foi um investimento. Acho
que vou sair valorizada."
Todas já estão. Algumas ainda
não sabem, mas já têm propostas
de clubes europeus. Ninguém,
porém, resume o sentimento do
grupo como Juliana, não por acaso a capitã. "Só quero voltar ao
Brasil e ver as meninas jogando
nos parques, não sofrendo preconceito da família ou dos amigos. Isso é o mais importante."
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