São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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AUTOMOBILISMO

Lorena, 8 anos, não gostou do presente de aniversário comprado pelo pai e fez a alegria de Fernando, 3

Campeão largou no cart que irmã rejeitou

DA REPORTAGEM LOCAL

"Cheguei até aqui sozinho, sem a ajuda de ninguém, de um país sem tradição no esporte e graças ao meu próprio esforço."
À primeira vista a declaração de Fernando Alonso após conquistar o Mundial pode até parecer antipática. Mas reflete sua trajetória até alcançar a F-1.
Apaixonado por automobilismo, o sonho do especialista em explosivos José Luis Alonso era ver sua filha mais velha, Lorena, disputando campeonatos de kart.
No outono de 1984, quando a menina completou 8 anos, o pai resolveu construir um kart para que ela pudesse correr, para desespero da mãe, Ana Díaz, balconista da tradicional loja de departamentos espanhola El Corte Inglés. De fabricação artesanal, o "brinquedo" tinha 50 cc. Mas não agradou a pequena Lorena.
Coisas do destino. Para a tristeza do pai, quem herdou o kart foi o filho mais novo, Fernando, o Nano, de apenas três anos, que ainda tinha dificuldades para dizer suas primeiras palavras.
Foi assim, de maneira quase acidental, que teve início a carreira do mais jovem campeão mundial da história da F-1. Foi no estacionamento da Autonalón, uma concessionária Peugeot que até hoje ocupa o mesmo número 35 da rua Cerdeño, na pequena Oviedo, capital do principado de Astúrias, no norte da Espanha.
Como o kart não havia sido construído para o pequeno Fernando, o pai teve que fazer algumas adaptações nos pedais para que seu filho pudesse brincar -esse era o intuito até então.
Mas aquele primeiro contato foi o suficiente para que ele se apaixonasse pelo kart e, especialmente, pelo mundo da competição.
Empolgado, o pai juntou um grupo de amigos e passaram a fazer uma espécie de campeonato improvisado para os filhos, que ainda não tinham idade para participar de competições oficiais. Assim como os karts, as pistas eram improvisadas, e o grupo, conhecido como "Guardería", viajava todos os finais de semana por algumas regiões espanholas.
Por causa da pouca idade das crianças, os pais resolveram que todos que competissem, independentemente da colocação, ganhariam um troféu, para evitar traumas. Com o passar dos anos, porém, o rechonchudo Nano passou a sentir-se incomodado por ganhar prêmios mesmo sem vencer.
Foi a chave para que, aos seis anos, começasse a disputar corridas oficiais, na categoria infantil. Já na primeira temporada, ganhou sua primeira prova de verdade. No ano seguinte, no Campeonato Asturiano, deu a primeira demonstração de que poderia chegar aonde chegou: venceu as oito corridas que disputou.
Naquela época, começou a dar mostras de outro fator que o acompanharia até hoje: a sorte. No Campeonato Espanhol de 1994, disputado em um único final de semana, Fernando não chegou como favorito. Na última corrida, vinha em terceiro quando os dois primeiros colocados bateram e tiveram que abandonar. Resultado: assumiu a ponta e conquistou mais um troféu.
Os anos se passaram, os títulos se acumularam, e o piloto entrou na adolescência. Em 1996, no entanto, um dia ficaria marcado em sua memória: 14 de julho.
Fernando tentava, ao lado de outros 81 pilotos, conquistar seu primeiro título internacional, no Mundial de Kart júnior em Genk, na Bélgica. Depois de resultados fracos nas eliminatórias, conseguiu o oitavo lugar no grid para a corrida que definiria o campeão.
Mordido por ter ficado em terceiro lugar no ano anterior, partiu para o tudo ou nada. Na primeira volta já era o segundo colocado. Na segunda, liderava. Pronto, o espanhol conquistaria assim seu primeiro Mundial.
O nome do jovem piloto já fazia parte do cenário internacional. Seguiram-se corridas na Itália, na América do Norte, no Japão. Em 1998, resolveu que queria mais. Decidiu tentar o título da Monaco Cup, uma corrida disputada no final do ano e que confere bastante prestígio a seu vencedor.
Confiante por largar da segunda colocação, partiu para cima do pole logo no início da corrida, mas o traçado -que conta com partes do que é usado na F-1- não favorece ultrapassagens.
Na quarta volta, atacou. Jogou seu kart por dentro de uma curva, mas os dois se tocaram. O espanhol abandonou, inconformado com a atitude do rival, um finlandês chamado Kimi Raikkonen.
Depois de uma bem-sucedida corrida na F-Toyota -sem nunca ter pilotado um monoposto com marchas- causou espanto em todos ao largar em último e em apenas três voltas já ter mais de três segundos de vantagem sobre os demais pilotos.
Apesar de amar guiar karts e já estar ganhando um bom dinheiro com isso, em 1999 acertou um contrato para competir na F-Nissan. Precoce, ganhou o campeonato logo no ano de estréia.
Como prêmio pela conquista e graças a um acordo entre a organização da categoria e a Minardi, Fernando pôde, pela primeira vez, se sentar em um carro de F-1. A experiência lhe rendeu um posto como piloto de testes.
Mesmo já estando com um pé na principal categoria do automobilismo, no ano seguinte o espanhol correu a F-3000. Além não ficar parado, queria aprender os circuitos da F-1. Foi quarto.
Durante aquela temporada, a condição de titular na Minardi do argentino Gastón Mazzacane era questionada. O consenso era que o espanhol, apesar da pouca idade -18 anos- tinha mais condições de assumir o cockpit.
Mas exigências dos patrocinadores da equipe o deixaram no banco de reservas. Nem isso, porém, fez que os poderosos da F-1 deixassem de prestar atenção no jovem piloto. Maior prova disso foi que, naquele mesmo ano, acertou contrato com Flavio Briatore, que já era chefe da Renault.
Em 4 de março de 2001, Nano faria, enfim, sua estréia na F-1, pilotando um Minardi -tornava-se o terceiro mais jovem piloto a chegar no topo do automobilismo. Largou em 19º e completou aquele GP da Austrália em 12º. Depois de um ano amargando as últimas colocações do grid -terminou o Mundial no 23º posto-, transferiu-se de vez para a Renault para ser piloto de testes.
Aquele ano, porém, serviria de aprendizado, não só para ele como para sua equipe, que voltou a dar nome a um time de F-1 após 16 temporadas. Várias baterias de testes e milhares de quilômetros depois, o espanhol estava pronto para sua segunda estréia na categoria, em 9 de março de 2003, mais uma vez no mesmo cenário, o Albert Park, em Melbourne.
Apesar de sair em décimo em Melbourne, completou a corrida em sétimo e marcou seus dois primeiros pontos na categoria.
Nos 932 dias que se passaram entre aquele domingo e ontem, muita coisa mudou. Fernando virou Alonso, ganhou corridas -a primeira na Hungria, em 2003-, fez fortuna e escreveu seu nome na história. (FÁBIO SEIXAS, TALES TORRAGA E TATIANA CUNHA)


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