São Paulo, sexta-feira, 26 de outubro de 2007

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FÁBIO SEIXAS

A pasmaceira da derrota

A F-1 ainda vive um estado de choque, espécie de anestesia coletiva, após a derrota mais trágica dos últimos anos

ACEITAR A derrota é algo complicado. Entender uma derrota retumbante é ainda pior. Leva tempo. Às vezes, muito tempo. Antes, há um período de abalo emocional, de choque, de vertigem, de pasmaceira, de anestesia coletiva.
A F-1 passa por isso agora. Há 20 dias, Hamilton era o campeão do mundo. Líder da tabela desde junho, tinha 107 pontos. Doze a mais que Alonso. E 17, veja bem, 17 pontos de folga para Raikkonen.
Mais: tinha a pole position para o GP da China. Em 6 de outubro, o inglês estava no topo do mundo. Era, aliás, "O Rei do Mundo", título da biografia escrita pelo jornalista e escritor britânico Frank Worrall, lançada na semana daquela corrida.
A toalha de Alonso já estava no chão. "Brilhante Lewis a um passo do título", proclamava a "Autosport". Para Nigel Roebuck, colunista da revista desde os 70, "Lewis fez uma corrida de campeão" no Japão.
A "Autosprint" garantiu: "Hamilton está com o título no bolso". Esta coluna não escapou do vaticínio furado: "Em 56 temporadas, de 1951 até a chegada do inglês, só seis pilotos venceram um GP no ano de estréia.
E ele vai ganhar um campeonato". Não, não ganhou.
No dia seguinte, 7 de outubro, cometeu o primeiro grande erro da carreira. Mas ainda estava tranqüilo: não pontuou, mas a vitória em Xangai ficou com Raikkonen, o coadjuvante da luta pelo título. E, como Dennis fez questão de frisar após a prova, a estratégia de Hamilton foi planejada para combater Alonso... O finlandês era "café com leite".
Hamilton saiu de lá com os mesmos 107 pontos na tabela, quatro de folga para Alonso, sete sobre Raikkonen. Vantagem menor, mas uma corrida a menos para o fim. O GP Brasil seria mera formalidade, sentimento que explodiu no último sábado com a segunda colocação no grid. No dia seguinte, 21 de outubro, cometeu o segundo grande erro, ao tentar passar Alonso por fora no fim da Reta Oposta. E o terceiro, ao acionar acidentalmente o ponto morto.
Estava consumado o desastre. E, tal qual o "Maracanazo", a derrota do vôlei feminino para a Rússia em Atenas, o fiasco do Dream Team no Mundial de 2002 e tantas outras tragédias, já há várias explicações práticas e teorias conspiratórias, mas ainda não houve assimilação.
E, sintoma do choque, estão atirando para todo lado. Principalmente na Inglaterra. O "Guardian", na segunda-feira, já comparou Hamilton a Tim Henman, que chegou a quatro semifinais de Wimbledon e caiu em todas. Ecclestone, ontem, culpou a falta de pulso de Dennis.
"Qual é o verdadeiro Hamilton? O estreante brilhante que estava a um fio de cabelo do título? Ou o estreante brilhante que, em duas semanas, jogou no lixo a chance de uma vida?", perguntou o "Guardian". Só saberemos nos próximos anos.
Nosso erro, porque somos humanos como Hamilton, foi acreditar cegamente que já sabíamos a resposta.


fseixas@folhasp.com.br

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