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O dia seguinte
Após despontar na Febem, talentos deixam o esporte
Jovens promessas
que brotaram na
instituição
relatam as
dificuldades para
seguir adiante
como atleta
profissional
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Imagens de atletas brasileiros comemorando títulos provocam reações paradoxais em
Thiago de Paula Souza.
Por um lado, ele se sente feliz
ao lembrar que o esporte o ajudou a encontrar um novo caminho, bem diferente do que trilhou no passado.
Por outro, desperta mágoa,
uma sensação de que ele também poderia estar com taças na
mão ou medalhas no peito se tivesse oportunidades.
Souza praticou atletismo e
chegou a correr os 100 m em
10s90. A marca, obtida em
2003, superava o índice mínimo estabelecido para postulantes a uma vaga nos Jogos Pan-Americanos daquele ano, na
República Dominicana.
Mas o atleta não disputou a
competição. Pouco antes do
torneio, desistiu do esporte.
Não encontrava patrocínios
e precisava de dinheiro. Resolveu trabalhar. O principal entrave, argumenta, era o nome
do local em que aprendeu a correr. Ele é ex-interno da Fundação Estadual do Bem-Estar do
Menor, a popular Febem.
No período em que ficou detido por participar como cúmplice de um assalto em São Paulo, entre 2000 e 2001, Souza tomou gosto pelas pistas.
"Treinei bastante e vi que tinha futuro", relata. "Quando
saí, percebi que empresas não
queriam colocar a marca num
cara que passou pela Febem.
Não adianta esconder. Isso é
horrível", diz o ex-atleta de 23
anos, que hoje trabalha como
auxiliar de escritório.
Longe de ser exceção, seu caso ilustra um cotidiano comum
nos subterrâneos do esporte.
A Febem oferece oportunidade para a prática de ao menos
dez modalidades para os mais
de 5.590 internos. Como muitos nunca tiveram a chance de
se dedicar a tais atividades anteriormente, talentos espocam.
O problema ocorre fora da
instituição, quando é preciso
buscar o profissionalismo nas
pistas, campos e piscinas.
"Qualidade como jogador
não é o meu problema. Posso ir
longe no futebol. Mas perdi a
paciência. Os times sabem de
onde a gente vem. Para reverter
isso, só com um empresário",
afirma Herbert dos Santos, 20,
atualmente desempregado.
Após cumprir pena duas vezes por roubo, ele disputou um
torneio no Rio para adolescentes de sua faixa etária.
Chegou ao título e conseguiu
impressionar Zé Maria, ex-lateral-direito que defendeu o
Corinthians e a seleção brasileira na década de 70.
Com o novo padrinho, peregrinou por clubes em busca de
uma chance como profissional.
Visitou ao menos cinco equipes. Nada conseguiu.
"Existe um preconceito danado com essa molecada. É um
negócio silencioso, que ninguém tem coragem de dizer. O
problema é que são esses rapazes que mais precisam de uma
chance", afirma o ex-lateral.
Histórias correlatas surgem
em diversas modalidades.
Vice-presidente da Federação Paulista de Xadrez, José Alberto dos Santos até hoje lamenta a perda de um prodígio.
Após acompanhar triunfos
de um menor em um torneio da
Febem, cinco anos atrás, o dirigente carregou o garoto para
uma disputa exterior.
Importante: o enxadrista era
analfabeto. Mesmo assim, venceu partidas contra rivais que
potencializavam seus conhecimentos com auxílio de livros,
prática comum no esporte.
"Você percebe que um cara é
talentoso pela forma como ele
olha para o tabuleiro. Esse rapaz pensava o jogo, antevia as
ações. Era muito impressionante", recorda o dirigente.
Porém, ao conquistar sua liberdade, o jovem não conseguiu prosseguir na atividade.
Seu paradeiro é hoje desconhecido. Ao menos, informa a
Febem, ele não engordou a estatística dos que voltam a cometer delitos -29% dos internos são reincidentes.
"Não pensamos em formar
campeões, e sim na possibilidade de ensinar valores com o esporte", afirma Berenice Giannella, presidente da instituição.
Ela relata que ex-internos
são assistidos por até seis meses após a libertação. Depois,
pouco pode ser feito.
"Alguns conseguem virar
profissionais, mas são muitos
os que desistem. São pessoas
que precisam reconstruir a vida. O esporte é um caminho,
ensina disciplina, faz com que
muitos arrumem empregos e
não voltem mais a errar. Só que
o fardo de ter vivido na Febem é
pesado para quem quer ser
atleta. Patrocinadores, às vezes, fogem", afirma Giannella.
Por isso, situações como as
vividas pelos menores Carlos e
João Paulo (nomes fictícios) no
interior de São Paulo são tão
festejadas. Condenados, respectivamente, por tráfico de
drogas e roubo, ambos começaram a praticar handebol na unidade da Febem de Ribeirão
Preto (a 314 km de São Paulo).
A habilidade na quadra chamou atenção da prefeitura local, que fez uma proposta aos
internos. Se quiserem, ambos
podem atuar no time profissional da cidade em 2007.
"É claro que aceitamos o convite", afirma Carlos.
Seu colega João Paulo é ainda
mais contundente: "Cresci
achando que só as drogas podiam me levar a algum lugar.
Agora, descobri esse lance de
esporte. Sei que sou bom, que
tenho uma chance. E vou agarrá-la de qualquer jeito".
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