São Paulo, sábado, 26 de dezembro de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

Encontros e despedidas


No apagar de 2009, o que a tabelinha Zico-Romário e a despedida do italiano Maldini têm a nos dizer

É TEMPO de "desafios das estrelas", jogos festivos e beneficentes com cara de pelada de fim de ano da firma. A diferença é que, em vez de barrigudos anônimos, esses desafios reúnem barrigudos famosos, misturados com alguns craques ainda na ativa.
O Jogo das Estrelas marcado para amanhã no Maracanã ensejará uma reconciliação histórica. A convite de Zico, Romário jogará no seu time, depois de 11 anos de inimizade entre os dois, iniciada quando o Baixinho, às vésperas da Copa do Mundo de 98, foi cortado da seleção, da qual o Galinho era coordenador técnico.
Segundo consta, os dois só atuaram juntos uma vez, durante alguns minutos de outra partida comemorativa, a despedida de Zico da seleção brasileira, em Udine (Itália), há 20 anos. Se cada um deles estivesse na plenitude de sua forma, o reencontro de amanhã seria uma coisa linda de se ver. Em suas condições atuais, Zico com 56 anos, Romário com 43 , eles servirão de documento da passagem cruel do tempo, despertando nostalgia em alguns e melancolia em outros. Como diz o título de um conto de Bioy Casares, os milagres não se recuperam.

Amor à camisa
No ano que termina, vários jogadores notáveis penduraram as chuteiras: Maldini, Figo, Sorín... De todos, o caso mais extraordinário é o de Maldini, que atuou durante um quarto de século no mesmo clube, o Milan, em que se profissionalizou aos 16 anos. Aposentou-se aos 41, sem nunca ter vestido outra camisa como futebolista.
Uma trajetória raríssima nos dias atuais, em que os atletas trocam de clube como os políticos brasileiros trocam de partido.
O exemplo de Maldini reaviva o velho discurso sobre a falta de "amor à camisa" que prevaleceria nos dias de hoje. Não se fazem mais jogadores como um Nilton Santos, que ao longo de duas décadas só defendeu o Botafogo, dizem os nostálgicos. Mas essa é uma visão romântica de um problema que, no fundo, é de economia política.
A pressão do grande capital que hoje movimenta os negócios do futebol é muitíssimo maior do que em outros tempos. Como ocorreu em todos os campos da atividade humana, no futebol as leis do mercado capitalista derrubaram resistências, corroeram valores e acabaram por se impor como a única lógica universal. É triste? Sem dúvida. Mas não há como evitar isso apelando para sentimentos de lealdade clubística dos jogadores. Interpelados, eles dirão que "amor à camisa não dá camisa a ninguém".
Não há tampouco como recorrer a medidas que visem coibir, de cima para baixo, o comércio de "pé de obra". A não ser em regimes totalitários, apartados da economia globalizada, é impossível deter a força arrasadora do capital.
Nossa, que tom apocalíptico para a última coluna do ano! Não era essa a intenção, muito pelo contrário.
A ideia é: em vez de esperar que os marmanjos que vestem as camisas dos nossos clubes realizem nossos sonhos e cumpram nossas expectativas sentimentais e éticas, façamos isso nós mesmos, cada um a seu modo. Barrigudos anônimos, jogando nossas peladas nas várzeas da vida.

jgcouto@uol.com.br


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