São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Inveja de centroavantes


Eles são sujeitos estranhos, durante uma partida tocam na bola um ou dois minutos, se tanto. Mas é o que basta

VENDO ESSES primeiros jogos do Campeonato Paulista, em que o principal nome é Ronaldo, o artilheiro é Pedrão e os xodós da rodada foram Keirrison, Washington e Kléber Pereira, voltou-me um antigo sentimento da adolescência: a inveja dos centroavantes.
Quando tinha ali pelos 15 anos, três curtas décadas atrás, meu sonho era este: usar a camisa 9. Mas, como não tinha muita habilidade, era só um sonho mesmo. O que eu sabia fazer era correr e bater. Por conta disso, virei um lateral. E, ainda por cima, um lateral defensivo. Nada de grandes arrancadas.
Meu dever era apenas derrubar o ponta adversário quando ele se metesse ali pelo meu lado. E, modéstia à parte, eu fazia isso bem. Ainda hoje, quando ando pelas praias de Santos, vejo um ou outro joelho com a minha assinatura.
Mas o que queria mesmo era ser centroavante. A própria palavra já é bela. Ele é o "centro" do time, o sol em torno do qual orbitam os outros jogadores e a bola. E ainda há o "avante", quase um grito de guerra, que mostra que essa posição é como o primeiro soldado, o porta-estandarte, aquele que carrega a bandeira.
E o time vai atrás dele.
Os centroavantes são sujeitos estranhos. Tocam na bola um ou dois minutos por jogo, se tanto. Mas nesses poucos segundos podem fazer três ou quatro gols. Washington, por exemplo, me dá a impressão de só encostar na bola umas quatro ou cinco vezes por partida. Mas é o que basta.
Por serem tão importantes, os centroavantes conseguem ter uma vida mais longa. São como aqueles velhos matadores de faroeste que se vestem de preto e vão de cidade em cidade à procura de duelos e encrencas. Em geral podem ser encontrados no campeonato fluminense, onde Romário reinou até os 40 anos.
Hoje, lá estão Viola e Sorato, que começaram a jogar no pleistoceno e ainda hoje são esperança de gols para suas torcidas.
Mas eles também estão espalhados pela várzea. E contam-se histórias famosas sobre eles, como a do francês Mimi Moustache, dono de um longuíssimo bigode que ele afilava e endurecia com Gumex, e assim feriu vários adversários. Tristemente acabou preso por assassinato, pois num escanteio perfurou a aorta de um zagueiro.
Houve Chico de Holanda, que era cantor nas horas vagas. Certa vez, numa partida dirigida por uma juíza, a cada vez que passava por ela, cantava: "Morena dos olhos d'água, tira os seus olhos do mar. Vem ver que a vida ainda vale o sorriso que eu tenho para te dar...". Naquele jogo, fez cinco gols de pênalti.
Não posso esquecer de Canela, um jogador franzino, mas destemido, que toda hora quebrava algum osso.
Ficou famoso ao fazer seu último gol, em que, depois de dura dividida, empurrou a bola para as redes com seu fêmur desnudo de carnes.
E ainda há o célebre Tango, que tinha esse apelido não porque dançasse, mas por ser parecido com um orangotango, e por conta dele é que surgiu a expressão centroavante rompedor. No caso, rompedor de maxilares.
Ah, como tenho inveja desses sujeitos. Mas quem nasceu para a lateral nunca chega ao centro.

torero@uol.com.br


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