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Filme ressuscita combate mais sujo da história
Após 25 anos, vidas de protagonistas de drama dos ringues voltam a ser afetadas por duelo com produção de "Cornered"
Treinador, que pretendia recuperar a licença, ameaça processar os produtores, e viúva de massacrado já reinicia ações na Justiça
EDUARDO OHATA
DA REPORTAGEM LOCAL
É uma cena popular em desenhos animados: em um ringue
de boxe, um dos personagens,
de modo sorrateiro, esconde
uma ferradura dentro da luva.
Ele dá uma surra no rival, invariavelmente mais forte, a
ponto de quase arrancar sua cabeça. As crianças se divertem.
Mas agora transfira esse cenário para a vida real. Grotesco,
não? Pois ele já aconteceu.
É justamente em torno da luta mais suja da história do pugilismo, o duelo entre os médios-ligeiros (até 69,8 kg) Billy Collins Jr. e Luis Resto, que neste
ano completa 25 anos, que gira
o documentário ""Cornered"
(""No Córner"), de Eric Drath.
O massacre contou com palco de luxo, o Madison Square
Garden, em Nova York, e foi
testemunhado por audiência
internacional. Ocorreu na preliminar do histórico duelo no
qual o legendário Roberto ""Manos de Piedra" Durán conquistou pela terceira vez o Mundial.
Tão suja foi a luta que levou à
prisão, por tentativa de homicídio, dois de seus protagonistas.
No vestiário, antes do combate, o treinador ""Panama" Lewis retirou das luvas do porto-riquenho Resto todo o enchimento, que funcionaria como
uma espécie de amortecedor.
Segundo Resto admite, sobre
as bandagens foi aplicada argamassa, o que transformou seus
punhos em autênticos tijolos.
O americano de origem irlandesa Collins Jr. suportou dez
assaltos de pé contra Resto. Porém seu rosto ficou irreconhecível. Do sexto assalto em diante, Collins Jr. passou a ter dificuldade para enxergar o rival.
Ao cumprimentar Resto, Collins Sr., pai e técnico do americano, percebeu que o enchimento fora removido. As luvas
foram confiscadas pela Comissão Atlética de Nova York, e
uma investigação foi iniciada.
Proibido de lutar por decisão
médica, por conta dos efeitos
causados em seu rosto pelos
punhos de Resto, Collins Jr. começou a reclamar de visão embaçada e depressão. Ele passou
a beber e morreu em um acidente automobilístico quando
retornava para a sua casa.
""Não importa o que digam,
não foi acidente. Ele se matou",
lamentou, à época, Collins Sr.
Resto e o americano Lewis
foram condenados a três anos e
meio de prisão -cumpriram
metade da pena e foram libertados. Também tiveram suas licenças de treinador e pugilista
revogadas indefinidamente.
""Conheci Resto quando trabalhava como agente de pugilistas. Ele morava no porão de
uma academia do Bronx. E me
contaram sua história", lembra
o diretor de ""Cornered", o americano Eric Drath, em entrevista à Folha por telefone. ""Eu me
perguntei: "Como um cara tão
gentil, tranqüilo, foi capaz de
cometer um crime tão brutal?".
Daí nasceu a idéia do filme."
Segundo Drath, após entrevistas com cerca de uma centena de pessoas, o documentário
traz revelações sobre o caso, incluindo a transcrição de conversas que não puderam ser
usadas no tribunal, já que foram obtidas de forma secreta.
""E diversas teorias nem foram tocadas, como a questão
das apostas e os interesses de
certos promotores de lutas."
Se o objetivo do filme, que
tem estréia oficial nos EUA
prevista para o segundo semestre, era enterrar de vez a polêmica do combate, surtiu efeito
contrário: reviveu, com mais
força, o drama e a controvérsia.
Graças a novas evidências reveladas pelo documentário, a
viúva de Collins Jr., Andrea
Collins-Nile, iniciou procedimentos na Corte Federal de Albany para reabrir o processo
contra o Estado de Nova York,
que teria falhado na fiscalização da aplicação da bandagem.
""Não sou o juiz de Resto. A
comissão atlética foi negligente. Eles deveriam ter protegido
meu marido, e não o fizeram."
Já Lewis, mesmo insatisfeito
com o documentário, planeja
assisti-lo logo que for lançado.
""Eu tenho de assistir a esse
filme, pois é sobre mim. Creia
em mim, o que quer que eles façam, é melhor estarem preparados para levar processo. Pelo
que ouvi até agora, há informações incorretas que são muito
prejudiciais para meu futuro",
ameaçou Lewis, em tom exasperado, ao ser questionado pela Folha se assistiria ao filme.
Segundo pessoas próximas a
Lewis, ele planejava pedir a
Ron Scott Stevens, presidente
da Comissão Atlética de Nova
York, que o autorizasse a voltar
a atuar como técnico de boxe.
""Mas hoje sou uma pessoa
melhor por causa desses 25
anos que tomaram de minha
vida", complementa Lewis.
""Lewis afirmou que não fez
nada. Só que ele contradiz várias pessoas. Não quero dar minha opinião, ela não importa.
Que o público assista ao filme e
saia do cinema com sua própria
conclusão", rebate Drath.
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