São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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Filme ressuscita combate mais sujo da história

Após 25 anos, vidas de protagonistas de drama dos ringues voltam a ser afetadas por duelo com produção de "Cornered"

Treinador, que pretendia recuperar a licença, ameaça processar os produtores, e viúva de massacrado já reinicia ações na Justiça


EDUARDO OHATA
DA REPORTAGEM LOCAL

É uma cena popular em desenhos animados: em um ringue de boxe, um dos personagens, de modo sorrateiro, esconde uma ferradura dentro da luva.
Ele dá uma surra no rival, invariavelmente mais forte, a ponto de quase arrancar sua cabeça. As crianças se divertem.
Mas agora transfira esse cenário para a vida real. Grotesco, não? Pois ele já aconteceu.
É justamente em torno da luta mais suja da história do pugilismo, o duelo entre os médios-ligeiros (até 69,8 kg) Billy Collins Jr. e Luis Resto, que neste ano completa 25 anos, que gira o documentário ""Cornered" (""No Córner"), de Eric Drath.
O massacre contou com palco de luxo, o Madison Square Garden, em Nova York, e foi testemunhado por audiência internacional. Ocorreu na preliminar do histórico duelo no qual o legendário Roberto ""Manos de Piedra" Durán conquistou pela terceira vez o Mundial.
Tão suja foi a luta que levou à prisão, por tentativa de homicídio, dois de seus protagonistas.
No vestiário, antes do combate, o treinador ""Panama" Lewis retirou das luvas do porto-riquenho Resto todo o enchimento, que funcionaria como uma espécie de amortecedor.
Segundo Resto admite, sobre as bandagens foi aplicada argamassa, o que transformou seus punhos em autênticos tijolos.
O americano de origem irlandesa Collins Jr. suportou dez assaltos de pé contra Resto. Porém seu rosto ficou irreconhecível. Do sexto assalto em diante, Collins Jr. passou a ter dificuldade para enxergar o rival.
Ao cumprimentar Resto, Collins Sr., pai e técnico do americano, percebeu que o enchimento fora removido. As luvas foram confiscadas pela Comissão Atlética de Nova York, e uma investigação foi iniciada.
Proibido de lutar por decisão médica, por conta dos efeitos causados em seu rosto pelos punhos de Resto, Collins Jr. começou a reclamar de visão embaçada e depressão. Ele passou a beber e morreu em um acidente automobilístico quando retornava para a sua casa.
""Não importa o que digam, não foi acidente. Ele se matou", lamentou, à época, Collins Sr.
Resto e o americano Lewis foram condenados a três anos e meio de prisão -cumpriram metade da pena e foram libertados. Também tiveram suas licenças de treinador e pugilista revogadas indefinidamente.
""Conheci Resto quando trabalhava como agente de pugilistas. Ele morava no porão de uma academia do Bronx. E me contaram sua história", lembra o diretor de ""Cornered", o americano Eric Drath, em entrevista à Folha por telefone. ""Eu me perguntei: "Como um cara tão gentil, tranqüilo, foi capaz de cometer um crime tão brutal?". Daí nasceu a idéia do filme."
Segundo Drath, após entrevistas com cerca de uma centena de pessoas, o documentário traz revelações sobre o caso, incluindo a transcrição de conversas que não puderam ser usadas no tribunal, já que foram obtidas de forma secreta.
""E diversas teorias nem foram tocadas, como a questão das apostas e os interesses de certos promotores de lutas."
Se o objetivo do filme, que tem estréia oficial nos EUA prevista para o segundo semestre, era enterrar de vez a polêmica do combate, surtiu efeito contrário: reviveu, com mais força, o drama e a controvérsia.
Graças a novas evidências reveladas pelo documentário, a viúva de Collins Jr., Andrea Collins-Nile, iniciou procedimentos na Corte Federal de Albany para reabrir o processo contra o Estado de Nova York, que teria falhado na fiscalização da aplicação da bandagem.
""Não sou o juiz de Resto. A comissão atlética foi negligente. Eles deveriam ter protegido meu marido, e não o fizeram."
Já Lewis, mesmo insatisfeito com o documentário, planeja assisti-lo logo que for lançado.
""Eu tenho de assistir a esse filme, pois é sobre mim. Creia em mim, o que quer que eles façam, é melhor estarem preparados para levar processo. Pelo que ouvi até agora, há informações incorretas que são muito prejudiciais para meu futuro", ameaçou Lewis, em tom exasperado, ao ser questionado pela Folha se assistiria ao filme.
Segundo pessoas próximas a Lewis, ele planejava pedir a Ron Scott Stevens, presidente da Comissão Atlética de Nova York, que o autorizasse a voltar a atuar como técnico de boxe.
""Mas hoje sou uma pessoa melhor por causa desses 25 anos que tomaram de minha vida", complementa Lewis.
""Lewis afirmou que não fez nada. Só que ele contradiz várias pessoas. Não quero dar minha opinião, ela não importa. Que o público assista ao filme e saia do cinema com sua própria conclusão", rebate Drath.


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