São Paulo, sábado, 27 de maio de 2006

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JOSÉ GERALDO COUTO

O céu sobre Berlim

A paixão pela bola tem dado à capital do horror mais calor humano, cores e uma alegria típica de cidades brasileiras

ESCREVO ESTAS mal traçadas em Berlim, onde vim cobrir a abertura oficial da Copa da Cultura, série de eventos artísticos brasileiros programados para 20 cidades alemãs durante a Copa.
Talvez seja um exagero dizer que a população berlinense está empolgada com o Mundial, mas o fato é que as marcas do futebol estão por toda a parte na cidade. Os rostos de Ronaldinho, Ronaldo, Kaká e Ballack resplandecem em outdoors, capas de revistas e grafites nos muros.
Diante do histórico Portão de Brandemburgo, tornado célebre mundialmente na época da queda do Muro de Berlim (1989), foi construída de um dia para o outro (literalmente: de quarta para quinta-feira) uma gigantesca bola com estrutura de aço. Bem perto dali, em frente ao vetusto Reichstag (Parlamento), a Adidas ergueu uma arena de 40 mil m2, para 10 mil espectadores, imitando a arquitetura do estádio Olímpico de Berlim. Ali, shows de nomes como Black Eyed Peas e James Blunt se alternarão com a exibição de jogos da Copa em um telão.
Caminhando em direção à parte oriental da cidade, chega-se ao Museu Histórico Alemão, cuja austeridade habitual é quebrada pela exposição "Das Spiel" (O Jogo), que reúne fotos de todas as Copas. Ainda mais para o leste, no coração da ex-Berlim Oriental, topa-se com um gigantesco campo de pebolim (ou totó, para os cariocas) a céu aberto, no qual os jogadores têm tamanho natural e rostos de craques famosos. E o melhor ainda está por vir. Está sendo montada na estação de metrô Potsdamer Platz, no coração da cidade, com abertura prevista para 6 de junho, a "Pelé Station", uma exposição sobre a vida e a obra do maior de todos os futebolistas. Numa área de 3.500 m2, coberta por grama sintética, 36 telas mostrarão lances e documentários do Rei, além de objetos como camisas, faixas de campeão, fotos e até a caixa de engraxate que ele usava na estação de Bauru, dos sete aos oito anos. Tudo isso tem algo de muito simbólico. A cidade mais trágica do século 20, a capital do horror, signo máximo da humanidade partida entre ideologias totalitárias, abre-se às cores, à alegria e à sensualidade do futebol. Em lugar de estátuas de Lênin, grafites de Ronaldinho. Em lugar de suásticas, escudos das seleções (as camisas de todas elas são vendidas a 40, cerca de R$ 110).
Para quem esteve aqui antes da queda do Muro, quando uma vasta região de Berlim -essa área central- era mantida em escombros, a transformação é emocionante. Para além dos aspectos mesquinhos de uma Copa, o fato é que poucas vezes foi tão palpável o papel humanizador do futebol. A paixão pela bola tem transformado Berlim, que já era linda, numa cidade mais calorosa, colorida, alegre, com jogo de cintura. Quase uma cidade brasileira, enfim.

@ - jgcouto@uol.com.br


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