São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007

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TOSTÃO

Quem conhece o Afonso?

Quando o técnico Dunga anunciou sua convocação, nunca o Google trabalhou tanto para desvendar o atleta

HOJE, VOU BRINCAR de detetive e tentar descobrir os motivos da convocação do desconhecido Afonso, 26 anos, para a seleção brasileira.
Uma das razões deve ser a falta de um excepcional centroavante. É preciso achá-lo. Tomara que seja o Afonso. Ficamos mal ou bem acostumados com Ronaldo e Romário, que também jogaram na Holanda. Será que Dunga é supersticioso?
Confesso a minha ignorância sobre o jogador, de quem nunca tinha ouvido falar.
Quando Dunga disse Afonso, toda a imprensa achou que era o nome oficial de um craque conhecido pelo apelido. Ao perceberem o engano, foi uma correria. Minutos depois já havia em todos os sites esportivos um grande número de informações do novo craque. Nunca o Google trabalhou tanto.
Dizem que dias depois já havia até bate-papos com Afonso na internet, desses que fazem com as estrelas. Afonso falou sobre seu sabonete preferido, o prato que mais gosta e do seu livro de cabeceira -deve ser o do Paulo Coelho.
Na entrevista, Dunga ironizou a imprensa por não conhecer o Afonso, como se o técnico tivesse visto, no campo, vários jogos do novo convocado. Além disso, a ESPN, única TV que passa jogos do Campeonato Holandês para o Brasil, só mostrou uma partida do Heerenveen, time do Afonso. Quem viu disse que ele atuou mal e não fez gols.
Dias depois, Jorginho explicou o mistério. Disse que ele e Dunga viram na íntegra várias fitas de partidas do jogador, enviadas por um amigo ou olheiro. Todo técnico de seleção diz que tem uma rede de olheiros espalhados pelo mundo. Fica mais científico.
Ou a principal fonte de informações do técnico foi o programa "Expresso da Bola", do Sportv, que, coincidentemente, fez uma reportagem na Holanda sobre o Afonso antes da convocação e que foi mostrada nesta quinta-feira?
O mesmo repórter fazia na Copa de 2006, ao mesmo tempo, reportagens para o Sportv e para a CBF ou para uma empresa contratada pela entidade. Para isso, ele estava sempre entre os jogadores, em lugares proibidos para o restante da imprensa.
Os raríssimos privilegiados que viram o Afonso jogar contam que não é somente o número de gols que impressiona -ele é no momento o maior artilheiro de campeonatos da Europa-, mas também a sua altura, peso e outras qualidades físicas.
Afonso seria um centroavante moderno, como se fosse projetado por um megacomputador.
Os apaixonados pela tecnologia e pelo tecnicismo vão dizer que tudo agora no futebol é científico, medido, calculado e que não há mais lugar para análises a olho nu e para empirismos do passado, quando não havia tira-teimas, dosagem de lactato no sangue, pré-temporada e outros avanços científicos.
As minhas críticas não são contra a tecnologia. Não sou louco nem burro, embora tenha as minhas desconfianças. O que me incomoda é esse exagerado fascínio pela máquina e o bombardeio de informações, muitas inúteis, que recebemos. Estamos desaprendendo a observar e a perceber as subjetividades.
Estamos ficando cegos.


tostao.folha@uol.com.br

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