São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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A convite da Folha, jogadores interrogam técnico famoso pelos decibéis

Diferença gritante

André Sarmento/Folha Imagem
Bernardinho orienta treino no Mineirinho, onde o Brasil joga hoje pela Liga Mundial



Ou tudo o que você sempre quis saber sobre Bernardinho -e a seleção tinha medo de perguntar

MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE

O técnico aos berros à beira da quadra. A imagem está cristalizada no imaginário do torcedor. Para muitos, Bernardinho assusta.
No dia-a-dia, ele grita pouco. O treinador, no entanto, é reservado, avesso a muitas brincadeiras e está sempre concentrado, atento aos detalhes. O jeito fechado não causa calafrios, mas o torna muitas vezes um enigma até para quem convive com ele.
A pedido da Folha, os jogadores da seleção, que faz hoje seu último jogo em competições oficiais no Brasil antes da Olimpíada, aceitaram o desafio de entrevistar o treinador e tentar expor facetas ainda desconhecidas até para eles.
Escolher a pergunta foi difícil. Medo de errar o tom, não agradar, invadir demais...
Mas, após muitos pedidos para pensar, 15 dos 16 atletas que estão na Liga Mundial expuseram suas curiosidades sobre Bernardinho -só o levantador Ricardinho não quis fazer sua pergunta. E entraram em terrenos íntimos, questionaram sobre família, hábitos, história, planos para o futuro e Olimpíada, talvez o único assunto que tire o sono de todos no time.
O Brasil faz hoje seu último jogo contra a Grécia. Nesta semana, vai à Europa enfrentar Espanha e Portugal. A disputa do título será entre 16 e 18 de julho, quando o treinador já deve ter idéia da base que vai a Atenas. O martelo só será batido às vésperas dos Jogos por causa de Nalbert, que se recupera de cirurgia no ombro.
Em meio à correria de treinamentos e compromissos em Belo Horizonte, Bernardinho aceitou parar por alguns minutos anteontem para responder às questões formuladas à Folha pelos atletas.
O técnico iniciou a entrevista, interrompida algumas vezes por fãs que estavam no hotel e queriam tirar fotos, aflito com o horário -tinha almoço com convidados do patrocinador da seleção e ainda tinha de falar com os atletas.
Mas, aos poucos, o carioca Bernardinho, 44, relaxou e conversou sobre as opções de seus filhos, seus planos, a dificuldade de lidar com seu perfeccionismo, a agonia de estar longe da família.
E não perguntou em nenhum momento quem era o autor de cada pergunta. Descobrirá agora.
 

Giba - Como é saber que, para muitos, sua imagem é de uma pessoa nervosa, estourada, que na verdade você não é?
Bernardinho -
Já levei muita bronca na rua, principalmente das pessoas da terceira idade, que não têm vergonha de falar. Diziam para eu parar de gritar com as meninas, que sou muito duro com os meninos... Isso não me incomoda, porque eu sei que não sou assim. É uma forma que tenho de pôr as emoções para fora. Podem pensar o que for de mim, eu só quero é que essa geração seja lembrada como um grupo sério, que trabalhou muito para conquistar os objetivos.

Gustavo - As pessoas às vezes sentem vontade de jogar a toalha. Alguma vez você já desistiu?
Bernardinho -
Já pensei, principalmente quando era garoto, não conseguia fazer alguma coisa, perdia um jogo... Mas nunca joguei, não está em mim desistir. Se você pára, deixa para trás a chance de superar as dificuldades e realizar coisas importantes.

Dante - Você tem superstição?
Bernardinho -
Eu tinha muito mais antes. Hoje são poucas. Prefiro dirigir o time de azul. Não gosto do número 17. Mas não gosto para mim. O Ricardinho é 17 e tem sido uma de nossas soluções. Do número 13, eu gosto. Cada vez eu acredito mais que você só obtém uma boa performance se não pensar em mais nada.

Henrique - Durante as competições, você sempre acorda pensando no adversário, no treino...?
Bernardinho -
Eu nem durmo, pensando nisso. Passo grande parte do tempo pensando no próximo rival, nos erros, no treino de amanhã... Estou trabalhando para tentar não antecipar demais as coisas, sofro com isso. Tenho de aprender a viver o agora. Às vezes fico pensando... Não pode ser assim. Há outras coisas importantes na vida, como a família. Eu tive boas propostas para ir para o exterior, mas não vou por causa da minha família. Quero ficar mais perto dos meus pais.

André Nascimento - Por que você gosta de ler tanto? O que você aprende com a leitura?
Bernardinho -
Ler me afasta desses pensamentos. Também me traz idéias. Leio muita coisa relacionada ao trabalho, à vida de pessoas de sucesso... Isso me ajuda a traçar estratégias, pegar exemplos positivos.

Giovane - Qual foi sua maior realização como jogador?
Bernardinho -
Fazer parte da seleção brasileira por sete ou oito anos. Eu era um jogador de talento limitado, mas muito esforçado, disciplinado. Consegui trilhar um caminho e vencer.

André Heller - Que características um bom jogador deve ter? E o que faz um ser "o melhor'?
Bernardinho -
Dedicação, perseverança, obstinação e uma dose de talento. Tem de ser apaixonado pelo que faz e jogar em equipe. Vôlei é uma orquestra, não há espaço para solistas. Para ser top, você tem de ter tudo isso e um talento excepcional. Se tiver essa mistura, pode dizer que esse jogador faz a diferença. Jogadores assim fazem história.

Anderson - Qual é sua expectativa para a Olimpíada?
Bernardinho -
Acho que vai ser caótica. A logística dessa competição vai ser muito difícil. O trânsito é complicado. Isso me preocupa. Já a competição vai ser equilibrada, como vem sendo o vôlei masculino nos últimos anos.

Escadinha - Se o Brasil for o ouro, você tem outro sonho a realizar?
Bernardinho -
No momento, o ouro é meu sonho. Se eu ganhar isso, vou querer ganhar o que vier depois. Quero continuar fazendo bem o que eu sei fazer.

Marcelinho - Quais são seus planos para depois da Olimpíada?
Bernardinho -
Não tenho. Até porque ainda não sei o que vai acontecer. Se formos bem, será ótimo. Se formos mal... Só tenho certeza do Rexona [time que acaba de se transferir para o Rio], que já é uma realidade. Vou me juntar à turma e trabalhar muito. Quero montar um projeto legal. Também quero escrever um livro.

Murilo - O que é mais difícil treinar? Homens ou mulheres?
Bernardinho -
Nos dois você tem momentos de dificuldades. É trabalho com pessoas, não vejo muitas diferenças. Eu tive sorte de ter grupos talentosos, com pessoas sérias, trabalhadoras. Tive os grupos do sonho de qualquer técnico.

Nalbert - Até quando pretende ser técnico? Tem planos ou já pensou em ser outra coisa?
Bernardinho -
Até quando não der mais. Não pensei em ser outra coisa, não tenho planos.

Maurício - Como fazer para conciliar a entrega ao vôlei com a atenção aos filhos, à mulher, à casa?
Bernardinho -
Da casa quem cuida é a Fernanda [Venturini, levantadora da seleção]. Ela é organizada. Cada vez mais eu acredito que quantidade não é essencial. Claro que com criança você precisa de mais tempo, mas qualidade é o que conta. Eu vejo pouco o Bruno [filho de 17 anos com a ex-jogadora Vera Mossa e jogador da Unisul], até porque ele também tem uma agenda cheia, e temos uma relação excepcional. Somos amigos acima de tudo, falamos sobre tudo. E a profissão nos aproxima ainda mais.

Rodrigão - Como você se sente vendo o Bruno seguir seus passos?
Bernardinho -
Acho legal. É o sonho dele e ele está trilhando um belo caminho. Só não quero que ele deixe de lado as obrigações como estudar [Bruno cursa o primeiro ano de administração]. Eu não interfiro. Ele vai viver vitórias e derrotas, altos e baixos. Vai precisar de um porto seguro. Aí é que entra a família, onde ele sabe que é amado a qualquer hora.

Roberto Minuzzi - O que você vai fazer se a Júlia [filha de 2 anos com Fernanda] decidir jogar vôlei?
Bernardinho -
Vou achar legal se a Júlia praticar qualquer esporte. Ela tem o jeito da mãe. É independente, decidida. Basta ver como fica à vontade nos ginásios mesmo lotados, com as pessoas... O que ela decidir, eu vou apoiar, até o vôlei. A Fernanda diz que não quer, mas eu vou dar força.


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