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A convite da Folha, jogadores interrogam técnico famoso pelos decibéis
Diferença gritante
André Sarmento/Folha Imagem
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Bernardinho orienta treino no Mineirinho, onde o Brasil joga hoje pela Liga Mundial |
Ou tudo o que você sempre quis saber sobre Bernardinho -e a seleção tinha medo de perguntar
MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE
O técnico aos berros à beira da
quadra. A imagem está cristalizada no imaginário do torcedor. Para muitos, Bernardinho assusta.
No dia-a-dia, ele grita pouco. O
treinador, no entanto, é reservado, avesso a muitas brincadeiras e
está sempre concentrado, atento
aos detalhes. O jeito fechado não
causa calafrios, mas o torna muitas vezes um enigma até para
quem convive com ele.
A pedido da Folha, os jogadores
da seleção, que faz hoje seu último
jogo em competições oficiais no
Brasil antes da Olimpíada, aceitaram o desafio de entrevistar o treinador e tentar expor facetas ainda
desconhecidas até para eles.
Escolher a pergunta foi difícil.
Medo de errar o tom, não agradar, invadir demais...
Mas, após muitos pedidos para
pensar, 15 dos 16 atletas que estão
na Liga Mundial expuseram suas
curiosidades sobre Bernardinho
-só o levantador Ricardinho não
quis fazer sua pergunta. E entraram em terrenos íntimos, questionaram sobre família, hábitos,
história, planos para o futuro e
Olimpíada, talvez o único assunto
que tire o sono de todos no time.
O Brasil faz hoje seu último jogo
contra a Grécia. Nesta semana, vai
à Europa enfrentar Espanha e
Portugal. A disputa do título será
entre 16 e 18 de julho, quando o
treinador já deve ter idéia da base
que vai a Atenas. O martelo só será batido às vésperas dos Jogos
por causa de Nalbert, que se recupera de cirurgia no ombro.
Em meio à correria de treinamentos e compromissos em Belo
Horizonte, Bernardinho aceitou
parar por alguns minutos anteontem para responder às questões
formuladas à Folha pelos atletas.
O técnico iniciou a entrevista,
interrompida algumas vezes por
fãs que estavam no hotel e queriam tirar fotos, aflito com o horário -tinha almoço com convidados do patrocinador da seleção e
ainda tinha de falar com os atletas.
Mas, aos poucos, o carioca Bernardinho, 44, relaxou e conversou
sobre as opções de seus filhos,
seus planos, a dificuldade de lidar
com seu perfeccionismo, a agonia
de estar longe da família.
E não perguntou em nenhum
momento quem era o autor de cada pergunta. Descobrirá agora.
Giba - Como é saber que, para
muitos, sua imagem é de uma pessoa nervosa, estourada, que na
verdade você não é?
Bernardinho - Já levei muita
bronca na rua, principalmente
das pessoas da terceira idade, que
não têm vergonha de falar. Diziam para eu parar de gritar com
as meninas, que sou muito duro
com os meninos... Isso não me incomoda, porque eu sei que não
sou assim. É uma forma que tenho de pôr as emoções para fora.
Podem pensar o que for de mim,
eu só quero é que essa geração seja lembrada como um grupo sério, que trabalhou muito para
conquistar os objetivos.
Gustavo - As pessoas às vezes
sentem vontade de jogar a toalha.
Alguma vez você já desistiu?
Bernardinho - Já pensei, principalmente quando era garoto, não
conseguia fazer alguma coisa,
perdia um jogo... Mas nunca joguei, não está em mim desistir. Se
você pára, deixa para trás a chance de superar as dificuldades e
realizar coisas importantes.
Dante - Você tem superstição?
Bernardinho - Eu tinha muito
mais antes. Hoje são poucas. Prefiro dirigir o time de azul. Não
gosto do número 17. Mas não gosto para mim. O Ricardinho é 17 e
tem sido uma de nossas soluções.
Do número 13, eu gosto. Cada vez
eu acredito mais que você só obtém uma boa performance se não
pensar em mais nada.
Henrique - Durante as competições, você sempre acorda pensando no adversário, no treino...?
Bernardinho - Eu nem durmo,
pensando nisso. Passo grande
parte do tempo pensando no próximo rival, nos erros, no treino de
amanhã... Estou trabalhando para
tentar não antecipar demais as
coisas, sofro com isso. Tenho de
aprender a viver o agora. Às vezes
fico pensando... Não pode ser assim. Há outras coisas importantes
na vida, como a família. Eu tive
boas propostas para ir para o exterior, mas não vou por causa da
minha família. Quero ficar mais
perto dos meus pais.
André Nascimento - Por que você
gosta de ler tanto? O que você
aprende com a leitura?
Bernardinho - Ler me afasta desses pensamentos. Também me
traz idéias. Leio muita coisa relacionada ao trabalho, à vida de
pessoas de sucesso... Isso me ajuda a traçar estratégias, pegar
exemplos positivos.
Giovane - Qual foi sua maior realização como jogador?
Bernardinho - Fazer parte da seleção brasileira por sete ou oito
anos. Eu era um jogador de talento limitado, mas muito esforçado,
disciplinado. Consegui trilhar um
caminho e vencer.
André Heller - Que características
um bom jogador deve ter? E o que
faz um ser "o melhor'?
Bernardinho - Dedicação, perseverança, obstinação e uma dose
de talento. Tem de ser apaixonado pelo que faz e jogar em equipe.
Vôlei é uma orquestra, não há espaço para solistas. Para ser top,
você tem de ter tudo isso e um talento excepcional. Se tiver essa
mistura, pode dizer que esse jogador faz a diferença. Jogadores assim fazem história.
Anderson - Qual é sua expectativa para a Olimpíada?
Bernardinho - Acho que vai ser
caótica. A logística dessa competição vai ser muito difícil. O trânsito
é complicado. Isso me preocupa.
Já a competição vai ser equilibrada, como vem sendo o vôlei masculino nos últimos anos.
Escadinha - Se o Brasil for o ouro,
você tem outro sonho a realizar?
Bernardinho - No momento, o
ouro é meu sonho. Se eu ganhar
isso, vou querer ganhar o que vier
depois. Quero continuar fazendo
bem o que eu sei fazer.
Marcelinho - Quais são seus planos para depois da Olimpíada?
Bernardinho - Não tenho. Até
porque ainda não sei o que vai
acontecer. Se formos bem, será
ótimo. Se formos mal... Só tenho
certeza do Rexona [time que acaba de se transferir para o Rio],
que já é uma realidade. Vou me
juntar à turma e trabalhar muito.
Quero montar um projeto legal.
Também quero escrever um livro.
Murilo - O que é mais difícil treinar? Homens ou mulheres?
Bernardinho - Nos dois você tem
momentos de dificuldades. É trabalho com pessoas, não vejo muitas diferenças. Eu tive sorte de ter
grupos talentosos, com pessoas
sérias, trabalhadoras. Tive os grupos do sonho de qualquer técnico.
Nalbert - Até quando pretende
ser técnico? Tem planos ou já pensou em ser outra coisa?
Bernardinho - Até quando não
der mais. Não pensei em ser outra
coisa, não tenho planos.
Maurício - Como fazer para conciliar a entrega ao vôlei com a atenção aos filhos, à mulher, à casa?
Bernardinho - Da casa quem cuida é a Fernanda [Venturini, levantadora da seleção]. Ela é organizada. Cada vez mais eu acredito
que quantidade não é essencial.
Claro que com criança você precisa de mais tempo, mas qualidade
é o que conta. Eu vejo pouco o
Bruno [filho de 17 anos com a ex-jogadora Vera Mossa e jogador
da Unisul], até porque ele também tem uma agenda cheia, e temos uma relação excepcional. Somos amigos acima de tudo, falamos sobre tudo. E a profissão nos
aproxima ainda mais.
Rodrigão - Como você se sente
vendo o Bruno seguir seus passos?
Bernardinho - Acho legal. É o sonho dele e ele está trilhando um
belo caminho. Só não quero que
ele deixe de lado as obrigações como estudar [Bruno cursa o primeiro ano de administração]. Eu
não interfiro. Ele vai viver vitórias
e derrotas, altos e baixos. Vai precisar de um porto seguro. Aí é que
entra a família, onde ele sabe que é
amado a qualquer hora.
Roberto Minuzzi - O que você vai
fazer se a Júlia [filha de 2 anos com
Fernanda] decidir jogar vôlei?
Bernardinho - Vou achar legal se
a Júlia praticar qualquer esporte.
Ela tem o jeito da mãe. É independente, decidida. Basta ver como
fica à vontade nos ginásios mesmo lotados, com as pessoas... O
que ela decidir, eu vou apoiar, até
o vôlei. A Fernanda diz que não
quer, mas eu vou dar força.
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