São Paulo, domingo, 27 de junho de 2010

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JOHN CARLIN

Matadores de gigantes

Não dá para não admirar o Chile. E parte enorme do crédito deve ser dada a seu obsessivo técnico

OK, ESSA não é necessariamente a atitude do brasileiro médio neste momento. Mas não dá para não admirar o Chile! Veja aqueles jogadores. Cada um deles é tão pouco conhecido que suas mães podem ter dificuldade em identificá-los em campo. Mas, como time, quanta paixão, quanta cumplicidade.
Que velocidade, que harmonia fluente! Vivo na Espanha. Assisti à maioria dos jogos da seleção espanhola nestes últimos três anos, e os espanhóis perderam só duas vezes. Nos dois casos, a Espanha era a equipe melhor, mas o resultado foi desfavorável devido à democracia maravilhosamente anárquica do futebol. Antes da Copa, eu não tinha dúvidas sobre qual era a seleção que jogava o futebol mais bonito e era a herdeira mais fiel -ou a que mais se aproximava- das grandes seleções brasileiras do passado. Se você quisesse jogo bonito, só havia um lugar para ir: Espanha, para assistir à seleção espanhola ou ao clube que a abastece com metade de seus jogadores, o Barcelona.
O que vi na sexta-feira foi espantoso. Foi a primeira vez em que me lembro de ter visto a Espanha superada durante a maior parte da partida. Dessa vez, a injustiça do resultado atingiu o Chile. Foi uma sensação estranha. Os chilenos usavam as cores que a Espanha geralmente veste, encorajando uma ilusão ótica que conferia mais sentido ao que acontecia em campo. Os chilenos faziam tudo o que a Espanha sempre faz -controlavam a posse de bola, davam passes corretos, recuperavam a bola assim que a perdiam. E a Espanha, durante boa parte do jogo, pareceu confusa, como em uma crise de identidade.
Uma parte enorme do crédito deve ser atribuída ao técnico da seleção chilena, o argentino Marcelo "El Loco" Bielsa. Não existe profissão mais obsessiva do que a de treinador de futebol, e não existe treinador mais obsessivo, que presta atenção mais maníaca aos detalhes, do que Bielsa.
Ele estudou a Espanha, a microanalisou: calculou como derrotá-la e só não o fez por puro azar e por falhas de arbitragem. Ele deve ter arquivos da espessura da "Enciclopédia Britânica" (acredite: eu o conheço, já vi seus arquivos) sobre o Brasil. E treinou seus jogadores como soldados prussianos. A partida de amanhã será dura e fascinante.

O britânico JOHN CARLIN é colunista do diário espanhol "El País" e autor de "Conquistando o Inimigo", livro que inspirou o filme "Invictus"

Tradução de CLARA ALLAIN


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