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JOHN CARLIN
Matadores de gigantes
Não dá para não admirar o Chile. E parte enorme do crédito deve ser dada a seu obsessivo técnico
OK, ESSA não é necessariamente a atitude do brasileiro médio neste momento. Mas não dá para não
admirar o Chile! Veja aqueles jogadores. Cada um
deles é tão pouco conhecido que suas mães podem
ter dificuldade em identificá-los em campo. Mas,
como time, quanta paixão, quanta cumplicidade.
Que velocidade, que harmonia fluente!
Vivo na Espanha. Assisti à maioria dos jogos da
seleção espanhola nestes últimos três anos, e os espanhóis perderam só duas vezes. Nos dois casos, a
Espanha era a equipe melhor, mas o resultado foi
desfavorável devido à democracia maravilhosamente anárquica do futebol. Antes da Copa, eu não
tinha dúvidas sobre qual era a seleção que jogava
o futebol mais bonito e era a herdeira mais fiel -ou
a que mais se aproximava- das grandes seleções
brasileiras do passado. Se você quisesse jogo bonito, só havia um lugar para ir: Espanha, para assistir à seleção espanhola ou ao clube que a abastece
com metade de seus jogadores, o Barcelona.
O que vi na sexta-feira foi espantoso. Foi a primeira vez em que me lembro de ter visto a Espanha
superada durante a maior parte da partida. Dessa
vez, a injustiça do resultado
atingiu o Chile. Foi uma sensação estranha. Os chilenos usavam as cores que a Espanha geralmente veste, encorajando
uma ilusão ótica que conferia
mais sentido ao que acontecia
em campo. Os chilenos faziam
tudo o que a Espanha sempre
faz -controlavam a posse de bola, davam passes
corretos, recuperavam a bola assim que a perdiam. E a Espanha, durante boa parte do jogo, pareceu confusa, como em uma crise de identidade.
Uma parte enorme do crédito deve ser atribuída
ao técnico da seleção chilena, o argentino Marcelo
"El Loco" Bielsa. Não existe profissão mais obsessiva do que a de treinador de futebol, e não existe
treinador mais obsessivo, que presta atenção mais
maníaca aos detalhes, do que Bielsa.
Ele estudou a Espanha, a microanalisou: calculou como derrotá-la e só não o fez por puro azar e
por falhas de arbitragem. Ele deve ter arquivos da
espessura da "Enciclopédia Britânica" (acredite:
eu o conheço, já vi seus arquivos) sobre o Brasil. E
treinou seus jogadores como soldados prussianos.
A partida de amanhã será dura e fascinante.
O britânico JOHN CARLIN é colunista do diário espanhol "El País" e autor
de "Conquistando o Inimigo", livro que inspirou o filme "Invictus"
Tradução de CLARA ALLAIN
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