São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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Favela festeja estouro de "Pipoca"

Vila Cruzeiro, no subúrbio do Rio, conta histórias de seu filho ilustre Adriano, o melhor da Copa América, em meio a foguetório de traficantes e batida policial

SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

Um dia depois da conquista da Copa América pela seleção brasileira, um foguetório tomou conta na tarde ontem de uma das entradas da Vila Cruzeiro, favela em que o atacante Adriano nasceu e foi criado no subúrbio do Rio.
Mas não era a comemoração do título conseguido pelo time nacional. Na realidade, os fogos serviram como senha para os "olheiros" avisarem os traficantes locais sobre a chegada da polícia. Nesse clima tenso, vivem amigos e familiares do artilheiro da Copa América (sete gols), que lá morou em seus tempos de menino pobre.
"Pode ficar calmo. Isso aqui acontece toda hora. Está tudo beleza", disse Walace Ferreira da Mota, 17. Apesar da aparente normalidade para os moradores, que não correram ou demonstraram medo, policiais apontavam fuzis para dentro de um beco. Pouco depois, deixaram a favela, com um dos vidros da viatura rachado.
Pipoca, como é conhecido Adriano, 22, pelos ex-vizinhos, é o orgulho da Vila Cruzeiro. Ontem, todos os que passaram no campo de terra batida do Ordem e Progresso, onde o atacante deu seus primeiros chutes, contavam histórias do atleta da Inter de Milão.
"Ele sempre foi legal, muito calmo e educado. Não saía do campo. Sempre estava aqui jogando bola ou comendo pipoca. Ele comia panelas inteiras de pipoca", disse Hermes Silva Leite, 24, que jogava com Adriano no Hang, time criado na favela pelo pai do atacante há cerca de dez anos.
"Gritamos a noite inteira. Quando ia pensar que um garoto daqui ganharia dos argentinos?", disse Jadir Miranda, dono de uma birosca construída ao lado do campo que serve como sede informal do Hang. O local é freqüentado pelos familiares do atacante, que ontem estavam na nova casa do atleta na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio. A casa em que Adriano foi criado fica num beco a cerca de 20 m do campo.
Miranda é um dos maiores contadores de histórias sobre Adriano. Quase sempre envolvendo a força do atacante, que ganhou o apelido de Hulk na seleção.
"Há cerca de dois anos, deu um bolada em um cara que quis ficar na barreira. O sujeito desmaiou. Antes da Copa América, um garoto foi disputar uma jogada com ele, caiu três metros longe e saiu todo ralado", diz Miranda, o único dos 13 entrevistados pela Folha que tinha emprego. Ele acompanhou o aperto da família do atleta para levá-lo diariamente ao Flamengo, na Gávea (zona sul).
Antes de ser conhecida como berço de Adriano, a Vila Cruzeiro ganhou fama na Copa-02. Mas não foi o futebol que tornou o local conhecido. No dia 2 de junho de 2002, Tim Lopes, da TV Globo, foi capturado por traficantes da favela quando fazia reportagem sobre um baile funk, onde havia consumo de drogas e sexo explícito. O jornalista foi levado para o morro da Grota e assassinado.
A violência na Vila Cruzeiro não é um fato recente. O pai de Adriano, Almir Ribeiro, 45, levou um tiro na cabeça em 92. "Foi bala perdida, que está alojada na sua cabeça. Ele ficou internado dois meses, mas tem vida normal agora", disse Juarez Batista Franco, 48.
"O Adriano fica muito triste com essa imagem violenta daqui. Com certeza, o tempo vai apagá-la", disse Alexsandro Garcia, 23, o Olaria, amigo próximo do atacante. Em 2003, ele passou três meses na casa do atleta em Milão.
Apesar de conhecerem a boa vida do jogador na Itália, todos dizem preferir a Vila Cruzeiro. "Já vi fotos de lá. Aquilo é frio demais. Nada se compara à Vila Cruzeiro", disse Miranda, logo depois de encerrado um novo foguetório promovido pelos traficantes.


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