|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Favela festeja estouro de "Pipoca"
Vila Cruzeiro, no subúrbio do Rio, conta histórias de seu filho ilustre Adriano, o melhor da Copa América, em meio a foguetório de traficantes e batida policial
SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO
Um dia depois da conquista da
Copa América pela seleção brasileira, um foguetório tomou conta
na tarde ontem de uma das entradas da Vila Cruzeiro, favela em
que o atacante Adriano nasceu e
foi criado no subúrbio do Rio.
Mas não era a comemoração do
título conseguido pelo time nacional. Na realidade, os fogos serviram como senha para os "olheiros" avisarem os traficantes locais
sobre a chegada da polícia. Nesse
clima tenso, vivem amigos e familiares do artilheiro da Copa América (sete gols), que lá morou em
seus tempos de menino pobre.
"Pode ficar calmo. Isso aqui
acontece toda hora. Está tudo beleza", disse Walace Ferreira da
Mota, 17. Apesar da aparente normalidade para os moradores, que
não correram ou demonstraram
medo, policiais apontavam fuzis
para dentro de um beco. Pouco
depois, deixaram a favela, com
um dos vidros da viatura rachado.
Pipoca, como é conhecido
Adriano, 22, pelos ex-vizinhos, é o
orgulho da Vila Cruzeiro. Ontem,
todos os que passaram no campo
de terra batida do Ordem e Progresso, onde o atacante deu seus
primeiros chutes, contavam histórias do atleta da Inter de Milão.
"Ele sempre foi legal, muito calmo e educado. Não saía do campo. Sempre estava aqui jogando
bola ou comendo pipoca. Ele comia panelas inteiras de pipoca",
disse Hermes Silva Leite, 24, que
jogava com Adriano no Hang, time criado na favela pelo pai do
atacante há cerca de dez anos.
"Gritamos a noite inteira.
Quando ia pensar que um garoto
daqui ganharia dos argentinos?",
disse Jadir Miranda, dono de uma
birosca construída ao lado do
campo que serve como sede informal do Hang. O local é freqüentado pelos familiares do atacante, que ontem estavam na nova casa do atleta na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio. A casa em
que Adriano foi criado fica num
beco a cerca de 20 m do campo.
Miranda é um dos maiores contadores de histórias sobre Adriano. Quase sempre envolvendo a
força do atacante, que ganhou o
apelido de Hulk na seleção.
"Há cerca de dois anos, deu um
bolada em um cara que quis ficar
na barreira. O sujeito desmaiou.
Antes da Copa América, um garoto foi disputar uma jogada com
ele, caiu três metros longe e saiu
todo ralado", diz Miranda, o único dos 13 entrevistados pela Folha
que tinha emprego. Ele acompanhou o aperto da família do atleta
para levá-lo diariamente ao Flamengo, na Gávea (zona sul).
Antes de ser conhecida como
berço de Adriano, a Vila Cruzeiro
ganhou fama na Copa-02. Mas
não foi o futebol que tornou o local conhecido. No dia 2 de junho
de 2002, Tim Lopes, da TV Globo,
foi capturado por traficantes da
favela quando fazia reportagem
sobre um baile funk, onde havia
consumo de drogas e sexo explícito. O jornalista foi levado para o
morro da Grota e assassinado.
A violência na Vila Cruzeiro não
é um fato recente. O pai de Adriano, Almir Ribeiro, 45, levou um tiro na cabeça em 92. "Foi bala perdida, que está alojada na sua cabeça. Ele ficou internado dois meses,
mas tem vida normal agora", disse Juarez Batista Franco, 48.
"O Adriano fica muito triste
com essa imagem violenta daqui.
Com certeza, o tempo vai apagá-la", disse Alexsandro Garcia, 23, o
Olaria, amigo próximo do atacante. Em 2003, ele passou três meses
na casa do atleta em Milão.
Apesar de conhecerem a boa vida do jogador na Itália, todos dizem preferir a Vila Cruzeiro. "Já vi
fotos de lá. Aquilo é frio demais.
Nada se compara à Vila Cruzeiro", disse Miranda, logo depois de
encerrado um novo foguetório
promovido pelos traficantes.
Texto Anterior: Painel FC Próximo Texto: Frases Índice
|