São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005

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FUTEBOL

Os dez mandamentos do juiz ladrão

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Caro leitor, caroável leitora, como hoje em dia falamos mais de apito do que de bolas, resolvi investigar como um árbitro pode roubar.
Para isso entrevistei um juiz de verdade. Não um juiz ladrão (falta-me intimidade com tal turma), mas sim um juiz honesto. Seu nome é José Carlos Marques, e ele apitou de 1992 a 2000. Formou-se pela escola de árbitros da Federação Paulista de Futebol e atuou na segunda divisão. Antes disso, Marques fez letras na USP. Hoje dá aulas nas faculdades de jornalismo e publicidade do Mackenzie. Ou seja, começou como juiz e acabou como professor, o que mostra uma clara tendência ao masoquismo.
Num exercício de imaginação, pedi que ele me desse os dez mandamentos de "Como ser um juiz ladrão". Ei-los.
1º) Logo de cara pode-se "criar um clima", encrencando com o uniforme do time, com a roupa do goleiro, com a rede, com o campo etc...
2º) Roubar na moedinha. Sim, até isso pode-se fazer. Hoje, quem ganha no cara ou coroa escolhe o campo e aproveita a vantagem de, por exemplo, colocar o goleiro adversário contra o sol. Mas um juiz perverso pode determinar que quem ganhou na moedinha fique com a bola, e o outro escolha o campo.
3º) Marcar faltas inexistentes. Se a falta for perto da área adversária, melhor. Mas, mesmo que não seja, é muito eficiente (e sutil) cozinhar o time dando faltinhas no meio-de-campo.
4º) Inverter laterais e trocar escanteios por tiros de meta também é um bom método. Irrita o time a ser derrotado e impede seu jogo.
5º) Xingar e intimidar os jogadores. Isso deixa o atleta perturbado, ele joga pior e pode acabar expulso. Este xingamento pode ter vários tons. Desde um simples palavrão até provocações mais pessoais, como racismo. Marques cita um caso interessante, não se sabe se lenda ou fato, de um juiz que teria dito a um goleiro (que acabara de perder a mulher para um atacante) algo do tipo: "Você não segura nem sua mulher, vai segurar a bola?". O goleiro, é claro, acabou expulso.
6º) Mexer com o banco de reservas, principalmente com o técnico, pode ser uma boa tática. Nunca se saberá ao certo o que aconteceu, e o árbitro parecerá ter razão.
7º) Dar cartão vermelho é sempre uma boa arma. E para isso há várias táticas. Por exemplo, deixar que batam num jogador até ele reclamar acintosamente. Mas é melhor expulsar o jogador que reclamar com gestos. Só por reclamação verbal não pega bem.
8º) Garanta um bandeirinha comparsa. Aliás, se um juiz marca um impedimento desprezando o bandeirinha, algo está esquisito.
9º) Obviamente não se deve marcar pênaltis para o time que deve perder.
10º) E há o último e derradeiro recurso, que é marcar pênaltis inexistentes para o time que tem que vencer.
Enfim, eis aí, em dez cândidas lições, a arte de roubar.

Bacalhau
Marques nunca sofreu uma tentativa de suborno, mas cita uma curiosa tática de clubes do interior: dar presentes aos juízes antes das partidas (carne seca e bacalhau, por exemplo).

Soluções
Segundo Marques, a semiprofissionalização, como acontece na Itália, poderia melhorar a arbitragem. Lá, os juízes reúnem-se dois ou três dias por semana para rever lances, discutir jogadas polêmicas e recebem por isso. A reciclagem sistemática também seria útil. Hoje ela só ocorre no início do ano. Depois os juízes ficam ao deus-dará. Seria ainda aconselhável tirar os departamentos de arbitragem de dentro das federações e deveria existir uma pontuação transparente, com acesso e rebaixamento para os juízes.


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