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FUTEBOL
Os dez mandamentos do juiz ladrão
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Caro leitor, caroável leitora, como hoje em dia falamos mais de apito do que de bolas, resolvi investigar como um
árbitro pode roubar.
Para isso entrevistei um juiz de
verdade. Não um juiz ladrão (falta-me intimidade com tal turma),
mas sim um juiz honesto. Seu nome é José Carlos Marques, e ele
apitou de 1992 a 2000. Formou-se
pela escola de árbitros da Federação Paulista de Futebol e atuou
na segunda divisão. Antes disso,
Marques fez letras na USP. Hoje
dá aulas nas faculdades de jornalismo e publicidade do Mackenzie. Ou seja, começou como juiz e
acabou como professor, o que
mostra uma clara tendência ao
masoquismo.
Num exercício de imaginação,
pedi que ele me desse os dez mandamentos de "Como ser um juiz
ladrão". Ei-los.
1º) Logo de cara pode-se "criar
um clima", encrencando com o
uniforme do time, com a roupa do
goleiro, com a rede, com o campo
etc...
2º) Roubar na moedinha. Sim,
até isso pode-se fazer. Hoje, quem
ganha no cara ou coroa escolhe o
campo e aproveita a vantagem
de, por exemplo, colocar o goleiro
adversário contra o sol. Mas um
juiz perverso pode determinar
que quem ganhou na moedinha
fique com a bola, e o outro escolha o campo.
3º) Marcar faltas inexistentes.
Se a falta for perto da área adversária, melhor. Mas, mesmo que
não seja, é muito eficiente (e sutil)
cozinhar o time dando faltinhas
no meio-de-campo.
4º) Inverter laterais e trocar escanteios por tiros de meta também é um bom método. Irrita o time a ser derrotado e impede seu
jogo.
5º) Xingar e intimidar os jogadores. Isso deixa o atleta perturbado, ele joga pior e pode acabar
expulso. Este xingamento pode
ter vários tons. Desde um simples
palavrão até provocações mais
pessoais, como racismo. Marques
cita um caso interessante, não se
sabe se lenda ou fato, de um juiz
que teria dito a um goleiro (que
acabara de perder a mulher para
um atacante) algo do tipo: "Você
não segura nem sua mulher, vai
segurar a bola?". O goleiro, é claro, acabou expulso.
6º) Mexer com o banco de reservas, principalmente com o técnico, pode ser uma boa tática. Nunca se saberá ao certo o que aconteceu, e o árbitro parecerá ter razão.
7º) Dar cartão vermelho é sempre uma boa arma. E para isso há
várias táticas. Por exemplo, deixar que batam num jogador até
ele reclamar acintosamente. Mas
é melhor expulsar o jogador que
reclamar com gestos. Só por reclamação verbal não pega bem.
8º) Garanta um bandeirinha
comparsa. Aliás, se um juiz marca um impedimento desprezando
o bandeirinha, algo está esquisito.
9º) Obviamente não se deve
marcar pênaltis para o time que
deve perder.
10º) E há o último e derradeiro
recurso, que é marcar pênaltis
inexistentes para o time que tem
que vencer.
Enfim, eis aí, em dez cândidas
lições, a arte de roubar.
Bacalhau
Marques nunca sofreu uma
tentativa de suborno, mas cita
uma curiosa tática de clubes do
interior: dar presentes aos juízes antes das partidas (carne seca e bacalhau, por exemplo).
Soluções
Segundo Marques, a semiprofissionalização, como acontece
na Itália, poderia melhorar a arbitragem. Lá, os juízes reúnem-se dois ou três dias por semana
para rever lances, discutir jogadas polêmicas e recebem por isso. A reciclagem sistemática
também seria útil. Hoje ela só
ocorre no início do ano. Depois
os juízes ficam ao deus-dará.
Seria ainda aconselhável tirar
os departamentos de arbitragem de dentro das federações e
deveria existir uma pontuação
transparente, com acesso e rebaixamento para os juízes.
@ - blogdotorero@uol.com.br
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