São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 2009

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Futebol dribla paralisia e miséria em Campo Grande

Na capital sul-matogrossense, esporte se transforma em meio de vida e já produz até uma nova geração de jogadores

Com estrutura precária, cidade concentra três dos principais times do país e integrantes da seleção que ganham bolsas do governo

MARTÍN FERNANDEZ
ENVIADO ESPECIAL A CAMPO GRANDE

Em Campo Grande, futebol é muito mais uma atividade para deficientes físicos do que um esporte para profissionais.
Na capital do Mato Grosso do Sul estão as bases das seleções principal e sub-20 de futebol para paralisados cerebrais.
Rede de saúde falha, erros médicos, falta de informação e difícil condição financeira das famílias. A situação de Campo Grande não é muito diferente da do resto do Brasil.
A diferença é que existe uma certa estrutura para a prática de futebol para quem tem paralisia. Pobre, precária, mas ainda assim uma estrutura.
No último Brasileiro da modalidade, disputado há 15 dias em São José dos Pinhais (PR), três dos oito times eram de Campo Grande. No futebol profissional não há nem sequer um clube de Mato Grosso do Sul nas séries A, B e C.
A última equipe do Estado a disputar a primeira divisão foi o Operário, em 1986, quando o torneio teve 80 participantes.
Nenhum dos times paraolímpicos paga salários para jogadores e comissão técnica, mas há dezenas de praticantes incluídos no programa bolsa--atleta, do governo federal.
No Campeonato Brasileiro, o título ficou com o IBDD, do Rio. Mas o Caira e o Pantanal, de Campo Grande, ficaram em segundo e terceiro lugares, respectivamente. O outro time da cidade (ADD) terminou em sexto e teve a revelação do torneio, Rafael Franciscatto, 16.
Um lugar no pódio vai valer R$ 750 mensais para cada jogador ao longo de 2010 -a não ser que o atleta já receba outro auxílio, como o pago a quem disputou a última Paraolimpíada (no caso, R$ 2,5 mil mensais).
O futebol paraolímpico virou um meio de vida na capital sul-mato-grossense. Em Atlanta-96, 3 dos 12 integrantes da seleção eram de Campo Grande.
Em Pequim-08, 6 dos 12 convocados defendiam times de Mato Grosso do Sul.
Hoje, o Estado já produz uma nova geração de jogadores, quase todos concentrados na capital. Em outubro, a seleção brasileira sub-20 ganhou os Jogos Parapanamericanos em Medellín, com seis sul-matogrossenses no time -quatro deles entre os sete titulares.
Rael Medeiros Coelho, 15, era um dos mais novos da equipe. Começou a jogar por influência do vizinho Joelson da Rocha Cabral, 20, também paralisado cerebral, de quem acabou companheiro de seleção.
"Agora que ele vai ganhar a bolsa, vou poder pagar o que devo", diz Adriana, 40, mãe de Rael e empregada doméstica. "Faço tudo para ele jogar. Pego passe de ônibus emprestado, faço prestação para comprar chuteira, meia, tudo."

Rivalidade
O Pantanal é o mais antigo dos clubes de paralisados cerebrais de Campo Grande. Ligado à ONG Cemdef, foi fundado em 1996 e sobrevive da ajuda eventual de empresas e políticos.
Sob o comando de Dolvair Castelli, acumulou títulos nos dez anos seguintes, até que um racha resultou na criação de outro time, ligado a outra ONG da cidade, o Caira, que se sustenta da mesma maneira.
Para lá foram o técnico José Renato Ferreira e vários jogadores, como Marcos dos Santos Ferreira e Luciano Rocha, atacante da seleção brasileira nas últimas três paraolimpíadas.
O outro time da cidade é o ADD (Associação Driblando Diferenças), que concentra jogadores mais jovens e treina junto com o Pantanal num campo improvisado, ao lado do ginásio Guanandizão.
"Ainda é longe do ideal, mas é o que temos", diz o técnico Castelli, resignado. O campo de grama alta e fofa tem dimensões menores que as oficiais, as traves não têm redes e não há linhas marcadas.
A reforma por que passa o local não tem nada a ver com futebol. Torres de iluminação estão sendo instaladas para aumentar a segurança do campo à noite, quando o gramado se transforma em estacionamento para os cultos evangélicos realizados no Guanandizão.
A "sede" do Pantanal são duas salas contíguas, de teto inclinado, localizadas embaixo das arquibancadas do ginásio.
Numa delas fica o único aparelho de ginástica -que é dividido entre os 20 jogadores-, os armários de ferro para os uniformes e os colchonetes para sessões de alongamento.
Na outra ficam os troféus e a mesa do presidente do Pantanal, Antonio Carlos Barbosa, que também atua como auxiliar-técnico, motorista e o que mais for necessário. Há dois meses, o local foi assaltado. "Roubaram o computador e os uniformes", relata Barbosa.
O Caira usa duas vezes por semana as instalações de um clube de elite. "Nos outros dias a gente corre no parque e faz treinos táticos em quadras públicas de futsal", conta o treinador José Renato Ferreira.
A rivalidade entre Caira e Pantanal é tamanha que os times nunca se enfrentaram em amistosos. Situação que pretendem mudar em 2010.


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