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Futebol dribla paralisia e miséria em Campo Grande
Na capital sul-matogrossense, esporte se transforma em meio de vida e já produz até uma nova geração de jogadores
Com estrutura precária,
cidade concentra três dos
principais times do país e integrantes da seleção que ganham bolsas do governo
MARTÍN FERNANDEZ
ENVIADO ESPECIAL A CAMPO GRANDE
Em Campo Grande, futebol é
muito mais uma atividade para
deficientes físicos do que um
esporte para profissionais.
Na capital do Mato Grosso do
Sul estão as bases das seleções
principal e sub-20 de futebol
para paralisados cerebrais.
Rede de saúde falha, erros
médicos, falta de informação e
difícil condição financeira das
famílias. A situação de Campo
Grande não é muito diferente
da do resto do Brasil.
A diferença é que existe uma
certa estrutura para a prática
de futebol para quem tem paralisia. Pobre, precária, mas ainda
assim uma estrutura.
No último Brasileiro da modalidade, disputado há 15 dias
em São José dos Pinhais (PR),
três dos oito times eram de
Campo Grande. No futebol
profissional não há nem sequer
um clube de Mato Grosso do
Sul nas séries A, B e C.
A última equipe do Estado a
disputar a primeira divisão foi o
Operário, em 1986, quando o
torneio teve 80 participantes.
Nenhum dos times paraolímpicos paga salários para jogadores e comissão técnica,
mas há dezenas de praticantes
incluídos no programa bolsa--atleta, do governo federal.
No Campeonato Brasileiro, o
título ficou com o IBDD, do
Rio. Mas o Caira e o Pantanal,
de Campo Grande, ficaram em
segundo e terceiro lugares, respectivamente. O outro time da
cidade (ADD) terminou em
sexto e teve a revelação do torneio, Rafael Franciscatto, 16.
Um lugar no pódio vai valer
R$ 750 mensais para cada jogador ao longo de 2010 -a não ser
que o atleta já receba outro auxílio, como o pago a quem disputou a última Paraolimpíada
(no caso, R$ 2,5 mil mensais).
O futebol paraolímpico virou
um meio de vida na capital sul-mato-grossense. Em Atlanta-96, 3 dos 12 integrantes da seleção eram de Campo Grande.
Em Pequim-08, 6 dos 12 convocados defendiam times de
Mato Grosso do Sul.
Hoje, o Estado já produz uma
nova geração de jogadores,
quase todos concentrados na
capital. Em outubro, a seleção
brasileira sub-20 ganhou os Jogos Parapanamericanos em
Medellín, com seis sul-matogrossenses no time -quatro
deles entre os sete titulares.
Rael Medeiros Coelho, 15,
era um dos mais novos da equipe. Começou a jogar por influência do vizinho Joelson da
Rocha Cabral, 20, também paralisado cerebral, de quem acabou companheiro de seleção.
"Agora que ele vai ganhar a
bolsa, vou poder pagar o que
devo", diz Adriana, 40, mãe de
Rael e empregada doméstica.
"Faço tudo para ele jogar. Pego
passe de ônibus emprestado,
faço prestação para comprar
chuteira, meia, tudo."
Rivalidade
O Pantanal é o mais antigo
dos clubes de paralisados cerebrais de Campo Grande. Ligado
à ONG Cemdef, foi fundado em
1996 e sobrevive da ajuda eventual de empresas e políticos.
Sob o comando de Dolvair
Castelli, acumulou títulos nos
dez anos seguintes, até que um
racha resultou na criação de
outro time, ligado a outra ONG
da cidade, o Caira, que se sustenta da mesma maneira.
Para lá foram o técnico José
Renato Ferreira e vários jogadores, como Marcos dos Santos
Ferreira e Luciano Rocha, atacante da seleção brasileira nas
últimas três paraolimpíadas.
O outro time da cidade é o
ADD (Associação Driblando
Diferenças), que concentra jogadores mais jovens e treina
junto com o Pantanal num
campo improvisado, ao lado do
ginásio Guanandizão.
"Ainda é longe do ideal, mas é
o que temos", diz o técnico Castelli, resignado. O campo de
grama alta e fofa tem dimensões menores que as oficiais, as
traves não têm redes e não há
linhas marcadas.
A reforma por que passa o local não tem nada a ver com futebol. Torres de iluminação estão sendo instaladas para aumentar a segurança do campo à
noite, quando o gramado se
transforma em estacionamento para os cultos evangélicos
realizados no Guanandizão.
A "sede" do Pantanal são
duas salas contíguas, de teto inclinado, localizadas embaixo
das arquibancadas do ginásio.
Numa delas fica o único aparelho de ginástica -que é dividido entre os 20 jogadores-, os
armários de ferro para os uniformes e os colchonetes para
sessões de alongamento.
Na outra ficam os troféus e a
mesa do presidente do Pantanal, Antonio Carlos Barbosa,
que também atua como auxiliar-técnico, motorista e o que
mais for necessário. Há dois
meses, o local foi assaltado.
"Roubaram o computador e os
uniformes", relata Barbosa.
O Caira usa duas vezes por
semana as instalações de um
clube de elite. "Nos outros dias
a gente corre no parque e faz
treinos táticos em quadras públicas de futsal", conta o treinador José Renato Ferreira.
A rivalidade entre Caira e
Pantanal é tamanha que os times nunca se enfrentaram em
amistosos. Situação que pretendem mudar em 2010.
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