São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

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TOSTÃO

Especialistas do óbvio

A psicologia esportiva deveria ser valorizada no futebol, e não me refiro às palestras de auto-ajuda e de motivação

NO DOMINGO , escrevi que existe, principalmente entre os atletas e mais ainda entre os de mais talento, uma sábia comunicação intuitiva, inconsciente e corporal.
Citei o exemplo do primeiro gol do Liverpool contra o Barcelona, quando o excepcional Gerrard, com o olhar, percebeu os movimentos do corpo do Bellamy e colocou a bola na sua cabeça.
Coincidentemente, a Folha publicou no domingo uma ótima reportagem sobre a psicologia esportiva, feita pelos repórteres Guilherme Roseguini e Mariana Lajolo. Na matéria, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), Renato Miranda, falou sobre a capacidade dos atletas de perceber os movimentos corporais, fenômeno que é chamado pelos especialistas de inteligência sinestésica.
Quando joguei ao lado de Pelé, antes de a bola chegar ao ataque, ele me mostrava, com seu expressivo olhar, que parecia ter um campo visual de 360 graus, tudo o que pretendia fazer. Enquanto tentava entendê-lo, Pelé, em uma fração de segundos, sem racionalizar, provavelmente calculava os movimentos e a velocidade dos companheiros, dos rivais, da bola e de todos os obstáculos que teria para chegar ao gol. Um gênio.
A mesma reportagem mostra que especialistas franceses, François Ducasse e Makis Chamalidis, publicaram um imenso livro sobre a psicologia esportiva, "Champion dans la Tête" ("Campeão na Cabeça"), não traduzido para o português. Os dois especialistas disseram ainda que, em competição de alto nível, 70% das decisões são definidas pelos fatores psicológicos. Exageros à parte, é indiscutível a sua importância.
Por ser um curioso dos mistérios da alma, ter feito cursos de medicina psicossomática e de psicanálise e, principalmente, por ter sido atleta que percebia a importância do fator emocional, penso, há tempos, que a psicologia esportiva deveria ser mais valorizada no futebol. Não me refiro às palestras de auto-ajuda e de motivação, tão comuns nos clubes. São os especialistas do óbvio. Isso às vezes funciona bem por causa do comportamento submisso, infantil e bastante sugestionável de muitos atletas.
A psicologia esportiva é muito mais do que isso. É necessário fazer uma avaliação psicológica individual dos atletas e acompanhá-los. Muitos psicólogos fazem isso, como Regina Brandão, que há muito tempo trabalha com Felipão. Outro trabalho feito pela psicologia esportiva, que complementa e enriquece a avaliação afetiva dos atletas, é o realizado por meio de testes físicos, técnicos e laboratoriais, quando se avalia e se mede a capacidade de concentração dos atletas, as suas reações aos estímulos positivos e negativos e tantas outras coisas. Após essas avaliações, existem exercícios específicos para melhorar a performance. No mundo atual, tecnológico, utilitarista, pragmático, grande número de pessoas vibra com o cientificismo e o tecnicismo e despreza os aspectos psicológicos e subjetivos dos atletas, como se eles fossem formados apenas por músculos, ossos, cartilagens, tendões, outros órgãos, e que os sentimentos só existissem para enfeitar.

Absurdos preços
Após o aumento absurdo do preço do ingresso (R$ 40) e o pouco público presente no clássico entre Vasco e Flamengo, os dirigentes, que sonham com ingressos caros e estádios cheios em um país pobre, tiveram de recuar. Um estádio de futebol deveria ter vários tipos de lugares, com preços diferentes, mas todos com segurança e um básico conforto. Quem quiser mordomia e frescuras, que pague por isso.

tostao.folha@uol.com.br


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