São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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FUTEBOL
Ex-técnico francês afirma que dificuldade em melhorar performance derrubou a seleção brasileira na Copa-98
Brasil perdeu "na cabeça", diz Jacquet

MARIANA SGARIONI
de Paris

A dificuldade da seleção brasileira na Copa-98 foi a de incrementar sua performance -em vez de crescimento da equipe, houve estagnação, principalmente na final.
Essa é a opinião do ex-técnico francês Aimé Jacquet, 53. "Acho que as coisas se passaram mais na cabeça do que nas pernas", disse.
Criticado e combatido pela imprensa francesa durante toda a competição, o atual campeão do mundo é hoje um dos dirigentes da Federação Francesa de Futebol.
Mas, no dia 12 de junho, ele volta aos campos para dirigir a seleção da Fifa, a entidade máxima do futebol, em amistoso contra um time australiano, na inauguração do novo estádio olímpico de Sydney.
Nessa partida, Jacquet deve enfrentar uma dificuldade que, na entrevista à Folha em seu escritório, próximo à Torre Eiffel, ele disse ter: a de administrar uma equipe com vários astros talentosos.

Folha - Por que o sr. deixou de ser treinador da seleção francesa?
Aimé Jacquet -
Eu já havia tomado essa decisão um ano antes, em 1997, para que pudesse preparar bem meu plano de ação. Para os jogadores, os dirigentes e o futebol em geral, foi uma decisão clara e precisa. Não era o caso de esperar ganhar a final ou uma semifinal para dizer se iria continuar.
Isso foi um engajamento convincente psicologicamente para os jogadores. Eles sabiam que esse era o objetivo número 1 para mim e que não havia outro -não havia nada por trás. Então, acho que foi uma atitude responsável, sem ambiguidade e que funcionou bem.
Folha - E quais são seus planos agora?
Jacquet -
Agora sou diretor técnico nacional da Federação Francesa de Futebol, cuido do futebol profissional e amador do país.
Tenho a difícil tarefa de conduzir as seleções de 15 a 18 anos e a obrigação de colocar em prática estágios de formação para treinadores. Além disso, devo comandar as missões que são enviadas pelo Ministério da Juventude e dos Esportes com o objetivo de facilitar a entrada dos jovens no futebol.
Folha - O sr. teve participação bastante ativa na comemoração do cinquentenário da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Paris. Por quê?
Jacquet -
O movimento esportivo é uma educação de vida, uma liberdade, um modo de funcionamento da vida e que respeita acima de tudo os direitos humanos.
Temos de respeitar as regras, o adversário, o árbitro. Acho que é um exemplo ao mundo político, é uma referência de integração.
No campo, é a língua da bola que manda na integração de raças, religiões e culturas. O jogo faz com que as pessoas esqueçam tensões e falta de respeito entre os países. É por isso que o esporte tem de se desenvolver no mundo inteiro.
O futebol é hoje o primeiro esporte no mundo porque as trocas são mais calorosas e respeitosas, mesmo havendo a competição. Após os jogos, sempre pensamos que foi a melhor equipe que ganhou, ela está com a razão porque se impôs conforme a lei e as regras.
Isso é uma lição para o mundo e é por isso que a Copa é importante para fazer com que os continentes se encontrem. Esse encontro é a vida, e isso significa direitos humanos para mim.
Folha - Logo após a Copa do Mundo, um canal francês exibiu um documentário rodado nos vestiários que mostrava suas últimas orientações aos jogadores antes da partida final contra o Brasil.
O sr. dizia que eles deveriam tentar cruzamentos "no primeiro pau", porque o Brasil seria mais frágil. De fato, os dois primeiros gols franceses foram marcados dentro dessa estratégia.
Quais eram suas técnicas para identificar os defeitos das equipes adversárias e como o sr. tinha acesso a eles?
Jacquet -
Eu diria que tivemos muita sorte nesses dois primeiros gols, mas todos os jogos eram muito bem preparados por nós. Tínhamos um grupo de jogadores que há dois anos se conhecia bem.
Dentro da minha preparação para a equipe francesa, eu exigia muita cumplicidade. Isso significava pôr os jogadores em melhor condição de jogo, desenvolvendo e dissecando bem o jogo do adversário, com seus pontos fortes e fracos.
Então, na final, tivemos todo um conjunto de circunstâncias que foram positivas, mas em outros jogos, por exemplo, nem sempre as coisas foram bem. É verdade que na decisão nós estávamos bastante por dentro da maneira, forma e expressão do jogo brasileiro.
Nessa Copa, vimos que nas jogadas de bola parada a equipe brasileira estava sempre em dificuldade, então aproveitamos para pôr em prática um pouco a situação.
Mas, você sabe, os jogadores interpretam as situações com seu talento, e para nós isso foi qualquer coisa de formidável. Mas não se deve interpretar essa técnica com tanta importância assim.
Folha - Quais foram as principais falhas do time brasileiro na final?
Jacquet -
Para mim, o Brasil será sempre a melhor equipe do mundo, mesmo hoje em dia. Isso porque vocês têm uma quantidade de jogadores de talento que nenhuma outra equipe tem, nem a França.
A dificuldade do Brasil no Mundial foi fazer com que seus talentos tivessem uma constância em sua performance. Percebemos que a seleção brasileira, em vez de progredir, como nos EUA, estagnou.
Em contraposição, a seleção francesa foi sempre crescendo -mas essa era a nossa Copa do Mundo. Estávamos psicologicamente fortes, eliminamos os pontos positivos e táticos do Brasil. Acho que as coisas se passaram mais na cabeça do que nas pernas.
Folha - Como o sr. avalia o problema de Ronaldinho em face ao resultado final do Mundial?
Jacquet -
Eu nem percebi que Ronaldo estava em dificuldade. Ao contrário, acho que teve momentos formidáveis no jogo. Se tivesse marcado aquele gol quando estava sozinho, acho que a França teria tido dificuldades em ganhar a final.
Então, isso me parece relativo. Conheço a performance e a qualidade de Ronaldo e acho que, se tivesse a chance de marcar um gol, ele teria feito. Mas a França estava realmente forte não só psicologicamente, como em técnica e tática.
Posso dizer que não fiquei tranquilo enquanto não marcamos o terceiro gol. Isso é para dizer o respeito e a inquietude que havia em nós, pois sabíamos que, se o Brasil marcasse um gol, mesmo estando perdendo de zero, poderia mudar a situação. É a única equipe do mundo que é capaz de, em pouco tempo, alterar uma situação, mesmo nos últimos minutos.
Folha - Na sua opinião, qual seria a equipe mais difícil para a França enfrentar na decisão?
Jacquet -
A Holanda, que, sem dúvida, era a equipe mais forte dessa Copa.
Acho que a seleção brasileira teve grandes dificuldades na semifinal contra os holandeses. Os brasileiros despenderam muita energia e esforço contra a Holanda. Pode ser por isso que na final os brasileiros estavam menos criativos.
Folha - O sr. foi extremamente criticado pela imprensa francesa antes e durante toda a Copa do Mundo. O que o sr. pensa desse papel da imprensa?
Jacquet -
Temos uma péssima imprensa esportiva na França, que ultrapassa o limite da difamação, algo até deselegante.
Acho que as críticas fazem parte do jogo, mas em um dado momento, há uma associação lógica de todos torcerem pela França, uma vez que somos todos franceses.
A dificuldade é que temos só um jornal esportivo no país (o "L'Equipe"), trata-se de um monopólio. Então não há uma sã concorrência: o jornalismo feito é cínico, não é limpo, diria que é insuportável. Para mim, essa imprensa é incompetente, e eu posso dizer isso porque fomos vitoriosos.
Folha - A imprensa européia costuma comentar que as equipes brasileiras são desorganizadas e que costumam vencer pela qualidade individual de seus jogadores. O sr. compartilha dessa opinião?
Jacquet -
Eu não concordo com isso. Em face aos inúmeros talentos brasileiros, a comissão técnica é obrigada a colocar esses talentos em associação -e colocá-los em associação não significa necessariamente formar a melhor equipe.
A equipe de (Carlos Alberto) Parreira, que foi campeã nos EUA, foi muito criticada. Diziam na época que ele não tinha convocado todos os seus talentos. Mas, se todos eles estivessem lá, o Brasil não seria campeão do mundo.
É fácil colocar todos os melhores jogadores juntos -o difícil é associá-los, formando uma equipe complementar, homogênea e equilibrada.
Eu não conseguiria ser treinador do Brasil. Para mim seria impossível, porque iria querer todos os talentos juntos, e a equipe acabaria não funcionando.
Portanto, não acho que o problema das equipes brasileiras seja a desorganização, ao contrário. O Brasil sempre dá lições sobre isso ao mundo inteiro, principalmente com a seleção que ganhou em 1994.


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