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FUTEBOL
Ex-técnico francês afirma que dificuldade em melhorar performance derrubou a seleção brasileira na Copa-98
Brasil perdeu "na cabeça", diz Jacquet
MARIANA SGARIONI
de Paris
A dificuldade da seleção brasileira na Copa-98 foi a de incrementar
sua performance -em vez de
crescimento da equipe, houve estagnação, principalmente na final.
Essa é a opinião do ex-técnico
francês Aimé Jacquet, 53. "Acho
que as coisas se passaram mais na
cabeça do que nas pernas", disse.
Criticado e combatido pela imprensa francesa durante toda a
competição, o atual campeão do
mundo é hoje um dos dirigentes da
Federação Francesa de Futebol.
Mas, no dia 12 de junho, ele volta
aos campos para dirigir a seleção
da Fifa, a entidade máxima do futebol, em amistoso contra um time
australiano, na inauguração do
novo estádio olímpico de Sydney.
Nessa partida, Jacquet deve enfrentar uma dificuldade que, na
entrevista à Folha em seu escritório, próximo à Torre Eiffel, ele disse ter: a de administrar uma equipe
com vários astros talentosos.
Folha - Por que o sr. deixou de
ser treinador da seleção francesa?
Aimé Jacquet - Eu já havia tomado essa decisão um ano antes, em
1997, para que pudesse preparar
bem meu plano de ação. Para os jogadores, os dirigentes e o futebol
em geral, foi uma decisão clara e
precisa. Não era o caso de esperar
ganhar a final ou uma semifinal
para dizer se iria continuar.
Isso foi um engajamento convincente psicologicamente para os jogadores. Eles sabiam que esse era o
objetivo número 1 para mim e que
não havia outro -não havia nada
por trás. Então, acho que foi uma
atitude responsável, sem ambiguidade e que funcionou bem.
Folha - E quais são seus planos
agora?
Jacquet - Agora sou diretor técnico nacional da Federação Francesa de Futebol, cuido do futebol
profissional e amador do país.
Tenho a difícil tarefa de conduzir
as seleções de 15 a 18 anos e a obrigação de colocar em prática estágios de formação para treinadores.
Além disso, devo comandar as
missões que são enviadas pelo Ministério da Juventude e dos Esportes com o objetivo de facilitar a entrada dos jovens no futebol.
Folha - O sr. teve participação
bastante ativa na comemoração do
cinquentenário da assinatura da
Declaração Universal dos Direitos
Humanos, em Paris. Por quê?
Jacquet - O movimento esportivo é uma educação de vida, uma liberdade, um modo de funcionamento da vida e que respeita acima
de tudo os direitos humanos.
Temos de respeitar as regras, o
adversário, o árbitro. Acho que é
um exemplo ao mundo político, é
uma referência de integração.
No campo, é a língua da bola que
manda na integração de raças, religiões e culturas. O jogo faz com
que as pessoas esqueçam tensões e
falta de respeito entre os países. É
por isso que o esporte tem de se desenvolver no mundo inteiro.
O futebol é hoje o primeiro esporte no mundo porque as trocas
são mais calorosas e respeitosas,
mesmo havendo a competição.
Após os jogos, sempre pensamos
que foi a melhor equipe que ganhou, ela está com a razão porque
se impôs conforme a lei e as regras.
Isso é uma lição para o mundo e é
por isso que a Copa é importante
para fazer com que os continentes
se encontrem. Esse encontro é a vida, e isso significa direitos humanos para mim.
Folha - Logo após a Copa do
Mundo, um canal francês exibiu
um documentário rodado nos vestiários que mostrava suas últimas
orientações aos jogadores antes
da partida final contra o Brasil.
O sr. dizia que eles deveriam tentar cruzamentos "no primeiro
pau", porque o Brasil seria mais
frágil. De fato, os dois primeiros
gols franceses foram marcados
dentro dessa estratégia.
Quais eram suas técnicas para
identificar os defeitos das equipes
adversárias e como o sr. tinha
acesso a eles?
Jacquet - Eu diria que tivemos
muita sorte nesses dois primeiros
gols, mas todos os jogos eram muito bem preparados por nós. Tínhamos um grupo de jogadores que há
dois anos se conhecia bem.
Dentro da minha preparação para a equipe francesa, eu exigia muita cumplicidade. Isso significava
pôr os jogadores em melhor condição de jogo, desenvolvendo e dissecando bem o jogo do adversário,
com seus pontos fortes e fracos.
Então, na final, tivemos todo um
conjunto de circunstâncias que foram positivas, mas em outros jogos, por exemplo, nem sempre as
coisas foram bem. É verdade que
na decisão nós estávamos bastante
por dentro da maneira, forma e expressão do jogo brasileiro.
Nessa Copa, vimos que nas jogadas de bola parada a equipe brasileira estava sempre em dificuldade, então aproveitamos para pôr
em prática um pouco a situação.
Mas, você sabe, os jogadores interpretam as situações com seu talento, e para nós isso foi qualquer
coisa de formidável. Mas não se
deve interpretar essa técnica com
tanta importância assim.
Folha - Quais foram as principais
falhas do time brasileiro na final?
Jacquet - Para mim, o Brasil será
sempre a melhor equipe do mundo, mesmo hoje em dia. Isso porque vocês têm uma quantidade de
jogadores de talento que nenhuma
outra equipe tem, nem a França.
A dificuldade do Brasil no Mundial foi fazer com que seus talentos
tivessem uma constância em sua
performance. Percebemos que a
seleção brasileira, em vez de progredir, como nos EUA, estagnou.
Em contraposição, a seleção
francesa foi sempre crescendo
-mas essa era a nossa Copa do
Mundo. Estávamos psicologicamente fortes, eliminamos os pontos positivos e táticos do Brasil.
Acho que as coisas se passaram
mais na cabeça do que nas pernas.
Folha - Como o sr. avalia o problema de Ronaldinho em face ao
resultado final do Mundial?
Jacquet - Eu nem percebi que
Ronaldo estava em dificuldade. Ao
contrário, acho que teve momentos formidáveis no jogo. Se tivesse
marcado aquele gol quando estava
sozinho, acho que a França teria tido dificuldades em ganhar a final.
Então, isso me parece relativo.
Conheço a performance e a qualidade de Ronaldo e acho que, se tivesse a chance de marcar um gol,
ele teria feito. Mas a França estava
realmente forte não só psicologicamente, como em técnica e tática.
Posso dizer que não fiquei tranquilo enquanto não marcamos o
terceiro gol. Isso é para dizer o respeito e a inquietude que havia em
nós, pois sabíamos que, se o Brasil
marcasse um gol, mesmo estando
perdendo de zero, poderia mudar
a situação. É a única equipe do
mundo que é capaz de, em pouco
tempo, alterar uma situação, mesmo nos últimos minutos.
Folha - Na sua opinião, qual seria
a equipe mais difícil para a França
enfrentar na decisão?
Jacquet - A Holanda, que, sem
dúvida, era a equipe mais forte
dessa Copa.
Acho que a seleção brasileira teve
grandes dificuldades na semifinal
contra os holandeses. Os brasileiros despenderam muita energia e
esforço contra a Holanda. Pode ser
por isso que na final os brasileiros
estavam menos criativos.
Folha - O sr. foi extremamente
criticado pela imprensa francesa
antes e durante toda a Copa do
Mundo. O que o sr. pensa desse papel da imprensa?
Jacquet - Temos uma péssima
imprensa esportiva na França, que
ultrapassa o limite da difamação,
algo até deselegante.
Acho que as críticas fazem parte
do jogo, mas em um dado momento, há uma associação lógica de todos torcerem pela França, uma vez
que somos todos franceses.
A dificuldade é que temos só um
jornal esportivo no país (o "L'Equipe"), trata-se de um monopólio. Então não há uma sã concorrência: o jornalismo feito é cínico,
não é limpo, diria que é insuportável. Para mim, essa imprensa é incompetente, e eu posso dizer isso
porque fomos vitoriosos.
Folha - A imprensa européia costuma comentar que as equipes
brasileiras são desorganizadas e
que costumam vencer pela qualidade individual de seus jogadores.
O sr. compartilha dessa opinião?
Jacquet - Eu não concordo com
isso. Em face aos inúmeros talentos brasileiros, a comissão técnica
é obrigada a colocar esses talentos
em associação -e colocá-los em
associação não significa necessariamente formar a melhor equipe.
A equipe de (Carlos Alberto)
Parreira, que foi campeã nos EUA,
foi muito criticada. Diziam na época que ele não tinha convocado todos os seus talentos. Mas, se todos
eles estivessem lá, o Brasil não seria campeão do mundo.
É fácil colocar todos os melhores
jogadores juntos -o difícil é associá-los, formando uma equipe
complementar, homogênea e
equilibrada.
Eu não conseguiria ser treinador
do Brasil. Para mim seria impossível, porque iria querer todos os talentos juntos, e a equipe acabaria
não funcionando.
Portanto, não acho que o problema das equipes brasileiras seja a
desorganização, ao contrário. O
Brasil sempre dá lições sobre isso
ao mundo inteiro, principalmente
com a seleção que ganhou em 1994.
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