São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2006

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FUTEBOL

(O tempo dirá, mas) Já é

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Entre as várias ciclotimias ou incoerências do torcedor do futebol, uma diz respeito ao tratamento que damos aos nossos ídolos. Às vezes, temos um reverência quase temerosa aos craques do passado, mas, às vezes, temos a compulsão de destrui-los, arrancá-los do pedestal e dizer: "Olha, eram humanos, cheios de defeitos". Como se a humanidade deles não tornasse seus feitos mais -em vez de menos- impressionantes. Mas quando alguém tenta erigir outra estátua ao seu lado, mais ou menos da mesma altura, surgem protestos irados: "Ninguém nunca será como ele!".
Discussões desse tipo não se restringem a questões de vida ou morte como Pelé x Maradona. Alguém feliz da vida e otimista que pergunte: "Esse São Paulo pode se igualar ou superar o do Telê?", ouvirá: "Que é isso? Devagar com o andor!". Nem se discute se o time é ou não muito bom -comparar com o do (grande, querido) Telê será sempre um sacrilégio.
O tempo pode amenizar as resistências; a antigüidade retira do pleiteante a aura de insolência. Anos atrás, comparações do Palmeiras de 93, 94 e 96 com os times da Academia davam urticária nos mais velhos. Hoje é aceitável colocá-los na lista dos "melhores que eu já vi".
Nas últimas semanas, tem-se discutido se Ronaldinho Gaúcho já pode entrar para a lista de melhores de todos os tempos. Tostão, com a tranqüila autoridade de quem sabe que sabe, opinou: Ronaldinho só está abaixo de Pelé, no mesmo nível de Maradona e Garrincha. Se não for bem nos almejados sete jogos da Copa, azar da Copa. Juca Kfouri apoiou, e cada um deu seu pitaco: "E o Zico, não fazia muito mais gols?".
Ronaldinho é um dos melhores da história do futebol, não tenho dúvida. Ainda há quem prefira "esperar para ver", mas acho que já vimos o suficiente. E esta é uma era em que se vê muito... A cada temporada, a cada semana, aumenta a expectativa sobre seu desempenho, e ele não decepciona. Continua irreverente como se ainda fosse uma promessa; torna-se mais seguro e eficaz como o craque amadurecido que é. Não é que Ronaldinho não goste de dinheiro, títulos e glórias, mas me parece que ele gosta mesmo é de jogar bola. Sozinho, com a parede, com os irmãos ou pelo Barcelona, ele se compraz.
"Na seleção ainda está devendo", dizem alguns. "Nunca fez uma apresentação como os espetáculos que dá com a camisa azul-grená". Pode ser, e é compreensível. Em primeiro lugar, porque seleção não é time e nunca será... O entrosamento, familiaridade e ritmo são completamente diferentes. Segundo, porque com a camisa amarela ele tem lugar e função bem diferentes -contra as quais talvez se rebele em uma seqüência de jogos, oba.
Ronaldinho não precisa nos fazer esquecer Pelé, Garrincha, Maradona e tantos outros. Ao contrário: que bom que nos faz lembrar de todos eles. E daqui a alguns anos, assistindo a um filme sobre a sua vida, já não teremos receio algum de dizer: "Taí um dos gênios do futebol mundial".

Ironia
No dia em que a possibilidade de comunicação instantânea entre os árbitros foi destaque, a demora para anotar uma infração fez toda a diferença. Não tenho certeza se foi falta do Tevez (acho que não, mas há quem jure que uma câmera mostra claramente que foi), mas um lance como esse no meio campo não costuma gerar discussões tão duradouras. O problema foi a jogada ter prosseguido e terminado em gol (golaço, para piorar a situação), invalidado "horas" depois. Se os rádios-transmissores não estivessem em campo, hoje alguém poderia dizer: "Por isso é que eu sou a favor da tecnologia. O árbitro poderia ter interrompido a jogada na hora em que o auxiliar viu a falta, e evitado essa confusão toda".


E-mail - soninha.folha@uol.com.br

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