São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 2006

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FUTEBOL

O secador e o seu código de ética

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Amigo torcedor, amigo secador, foi uma semana para secar de vez toda a pimenteira aqui de casa. E também para acabar qualquer namoro ou casamento. Haja pelada na tevê. A patroa ficou uma fera, mas o que fazer, velho amigo Lênin, se somos mesmos uns doentes, uns caras carentes?!
O seca-seca começou na véspera, no mau agouro contra o Arsenal, que acabou triunfando, na Copa dos Campeões, contra os azaradíssimos espanhóis. De acordo com o código de ética do secador, a lei é secar, impiedosamente, qualquer time inglês. "A menos que joguem contra Corinthians, Palmeiras ou São Paulo", berra aqui no ombro o meu histérico papagaio Flobê, esse mala que seca até jogo de peteca e dominó. "Dos ingleses, só torço pelo velho e bom rock'n'roll", graceja, cantando um trechinho dos Beatles com aquele seu inglês que lhe ensinei ainda no Crato.
No dia seguinte, inquieto entre o sofá e o ombro deste pirata chinfrim de todas as sextas, o meu secador de estimação pegou no pé do Milan e segurou firme o 0 x 0 necessário. Flobê gargalha de felicidade, como uma criança, quando Ronaldinho está em campo. "Esse mauricinho tricolor não vai ver a cor da bola", dizia sobre Kaká, que não faz a sua cabeça por um motivo: jogou no São Paulo.
A origem dos jogadores brasileiros, segundo o artigo 25 do manual de ética do secador, define a nossa posição nas partidas estrangeiras. Ou seja, na dúvida, seque o time que possui mais atletas egressos de clubes que não lhe interessam em solo pátrio.
Para ele, não tem acordo, é inegociável, vai morrer secando o dito "trio de ferro" da capital. Flobê diz que nasceu verde por castigo de Deus. Daí que, como todo legítimo secador paulista, ficou numa sinuca diante daquele Palmeiras x São Paulo, como previra, ainda na segunda, o seu amigo Juca Kfouri.
Sugeri que o desalmado papagaio, a exemplo deste cronista que o sustenta com o farelo diário, secasse um time em cada tempo. Assim reza o nosso sagrado código. Como não é de costume, obedeceu. Ficou satisfeito com o empate no joguinho de várzea que viu.
Que venga mais Libertadores, cabrón. Enquanto o seu pobre dono entupia o congelador de latinhas para os próximos embates, Flobê abaixava o som da tevê e sintonizava um rock. Para evitar as patriotadas de Galvão Bueno, ele sempre faz isso. Segue um conselho do doutor Sócrates, sério, que vê jogos ouvindo música. "Corinthians pode ser Brasil para as suas negas, na minha casa num tem disso não!", charleou o ranzinza, e começou a gritar "River, River, arriba!".
Mas num descuido primário -deu uma zapeada para secar de raspão os jogos do Santos e do Flamengo-, o Corinthians achou aquele golzinho aos 47min do segundo. Falha nossa. Flobê recolheu-se, macambúzio e sorumbático, ao poleiro, e guardou as forças para o difícil jogo de volta. Como um autêntico secador brasileiro, num desiste nunca!

Não pecarás
No futebol, segundo o código de ética dos secadores, a soberba é o mais perigoso dos pecados capitais. Ao dizer que só o Barcelona encararia o São Paulo, Júnior atraiu para o Morumbi a ira dos deuses. É tanto que Edmundo já prometeu jogar com o manto do Barça sob a camisa verde na próxima quarta. Suspense à la Hitchcock.

Nervos de aço
O Ipatinga, filial do Cruzeiro, tem sido o melhor da Copa do Brasil. Não foi à toa que empatou com o Santos na Vila. O siderúrgico time mineiro é superior à matriz, um segundo à frente do Flu, e além dos outros. Mas pesa o manto do Fla, que volta a sentir o poder de ganhar algo. E o Vasco respira. Que Libertadores que nada. Esse é o torneio mais emocionante.


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