São Paulo, domingo, 28 de maio de 2006

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ARTIGO

Weggis e os campeões

MARCELO BACKES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Antes de receber a seleção, poucos brasileiros haviam descoberto Weggis. Eu estive lá em 2002, ano da última Copa! Weggis é referida nas crônicas pela primeira vez no ano de 825, quando faltava muito para o Brasil ser "descoberto", e fica na região central da Suíça em um dos mais belos recantos do mundo, entre Rigi, a rainha das montanhas, e o lago de Vierwaldstätte (algo como Lugar das Quatro Florestas), que já disseram ser o mais belo lago da crosta terrestre. O lugarejo tem 3.886 habitantes que se orgulham de morar onde todo mundo gostaria de tirar férias. A programação cultural de Weggis dá de dez na de muita capital brasileira. E ainda tem o cassino! Há mais de 30 hotéis e restaurantes para todos os gostos e bolsos e belos descontos nos impostos para quem decidir adotar o lugarejo. Apesar do gelo que rodeia Weggis no inverno, os guias turísticos garantem que a temperatura média é superior a zero grau. Mas os jogadores brasileiros precisam encarar apenas o verão e guias turísticos, ademais, nunca são confiáveis. O escritor americano Mark Twain, um gigante do humor, visitou a cidadela várias vezes. Na primeira delas, escalou Rigi; um guia lhe disse que a subida duraria cerca de três horas. Twain levou três dias na escalada e ainda teve de ouvir piadas de um cicerone que, desdenhando a lentidão do escritor e adiantando-se para reservar o quarto no hotel que fica no cume da montanha, disse que caso não encontrasse nenhuma vaga se ocuparia em construir uma hospedaria, deixando-a prontinha para quando Twain chegasse. Rigi seria um bom exercício para Ronaldo provar que está magro e Cafu que não está velho. Duas horas, meus caros, trata-se de atletas! Mark Twain não foi a única eminência a passar por Weggis. Reis e imperadores a visitaram. Da rainha Vitória da Inglaterra ao imperador Carlos 1º, passando por Luís 2º, da Baviera, o rei dos castelos de brinquedo. Entre os escritores, estiveram por lá Alexandre Dumas, Emile Zola e August Strindberg. Goethe, ao subir Rigi, limitou-se a anotar em seu diário: "À minha volta, o esplendor do mundo". A paz do lugar fez até Karl May deixar o espírito belicoso de seus faroestes de lado e escrever o livreto "Karl May como Educador". Roberto Carlos faria bem em se instruir um pouco na folga dos treinos... O compositor Sergei Rachmaninoff fez sua casa em Hertenstein, perto de Weggis, e por lá compôs as "Variações Sobre um Tema de Paganini". Em Weggis os famosos vêm de fora. Mas há um que é de lá: Pulsy, cujo apelido data de seus tempos de soldado sanitário na 2ª Guerra, quando "media os pulsos" da população. Pulsy era o faz tudo do Hotel Post e da comunidade; pintava e bordava para quem quisesse, e também poetava e decorava, além de ser um exímio cantor à tirolesa. Existe alguém que suporta o falsete desses montanheses ecoando nos Alpes? Talvez os adeptos da música sertaneja entre os selecionados. E eles existem; Roberto Carlos, por exemplo... Aposto que Pulsy, ainda que ande meio retraído nos últimos tempos, já pediu autógrafo a Ronaldinho. E que Ronaldinho só não pediu para que o velho entoasse a tirolesa porque é pagodeiro. Weggis é o paraíso das rosas. Quem teve a idéia da Festa das Rosas foram nove jovens, reunidos secretamente em 14/11/1925 no bar do mesmo Hotel Post, às 3 da madruga. Ora, ora, homens ideando com rosas num bar às três da manhã? Florzinhas... Ronaldo -agora já é o outro- é que entende da calada da noite! E os nove ainda formaram o Clube dos Inofensivos para dar bandeira à idéia. E deu certo! A melhor coisa da festa anual é, naturalmente, a Princesa das Rosas que, devido à inocência confessada pelos suíços que a idealizaram, faz a felicidade dos turistas. Eu sei disso, estive lá em 2002! Neste ano, a Festa das Rosas acontecerá de 7 a 9 de julho, quando todos os suíços -inclusive os da seleção- já terão voltado pra casa e Ronaldo por sorte estará jogando a final da Copa. Eu ainda não sei se assisto à festa ou à final, mas a Rainha das Rosas, ainda que eu prefira as trepadeiras, é imperdível. E com Ronaldo na final talvez sobre pra mim de novo. Vai ser uma festa! Que certeza de final é essa? Na página de abertura do site de Weggis está anunciado: "Weggis -onde treinam os campeões mundiais". Eu, que sempre tive os olhos fincados no presente, encaro a frase não como uma constatação relativa ao passado mas como uma profecia...


MARCELO BACKES, escritor e tradutor, é doutor em germanística e romanística pela Universidade de Freiburg e autor de "Estilhaços" (Record, 2006), entre outras obras, no qual pode ser encontrado o "Dicionário nostálgico do meu futebol missioneiro".


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