São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

Meio século esta noite

O cinqüentenário da nossa primeira Copa do Mundo coincide com um momento de carência de bom futebol

PODEM ME CHAMAR de pé-frio. Comecei a Eurocopa torcendo para Portugal, com seu belo futebol de mobilidade e toque de bola. Portugal caiu fora, passei a vibrar pela vistosa Holanda. Holanda eliminada espetacularmente pela Rússia de Arshavin, virei russo desde criancinha. Mas aí os espanhóis deram um baile na Rússia, olha eu torcendo pela Fúria de Xavi, Iniesta e Fàbregas.
Ou seja, se eu fosse você, apostaria tudo na Alemanha, que, como o J. Pinto Fernandes do poema de Drummond, até agora não tinha entrado nessa quadrilha.
Pelo jeito não fui só eu. Muitos brasileiros viraram casaca mais de uma vez na Eurocopa, o que indica duas coisas: 1) gostamos de futebol bem jogado, não importa a cor da camisa ou a língua dos praticantes; 2) como escreveu Tostão, as melhores seleções européias estão hoje bem acima das principais forças sul-americanas (leia-se Brasil e Argentina).
Estamos carentes de time que nos encante e nos leve a torcer. O Fluminense, que poderia catalisar no momento essa carência, falhou na primeira tentativa, na quarta, em Quito. Quem sabe na próxima.
É nesse contexto que se dão, coincidentemente, as comemorações do cinqüentenário da conquista da nossa primeira Copa do Mundo, em 1958. Amanhã, como você já deve ter ouvido, é o aniversário de meio século da grande final contra a Suécia.
A Folha tem feito uma bela série de reportagens e de reproduções do noticiário da época, o Globo Esporte também, e a ESPN Brasil exibe hoje, às 21h, o programa especial "A Copa do Mundo É Nossa", que reconstitui a conquista brasileira, revisita os lugares da campanha e exibe depoimentos dos principais atores daquela epopéia.
É difícil evitar o sentimento de nostalgia. Éramos um país jovem e pleno de promessas, e pela primeira vez nos impúnhamos ao mundo como os melhores em alguma coisa -justamente na coisa que mais nos apaixonava e nos unia.
Como todos os grandes times de futebol, a seleção de 58 superava a falsa dicotomia entre eficiência e beleza, entre arte e competitividade. Jogamos bonito e vencemos, de uma maneira tão categórica como só voltaria a acontecer em 1970.
Perseguir esse feixe de utopias -dialogar com o mundo sem nenhuma inferioridade, conciliar o feijão e o sonho, dar ao homem comum a possibilidade de tocar o céu- é o que leva muitos de nós a insistir no futebol como espetáculo, forma de lazer, meio de expressão, a despeito da politicagem, do marketing exacerbado, das infinitas formas de corrupção.
Há no futebol um fio invisível e indizível que conecta a pelada sem testemunhas no campinho de bairro e a final de uma Copa do Mundo vista por bilhões de pessoas. Cada jogo atualiza, como a enésima repetição de um rito, esse desejo insaciável de felicidade e plenitude.
"Feito uma aguardente que não sacia" (obrigado mais uma vez, Chico Buarque), o futebol nos levará amanhã ao estádio Ernst Happel de Viena, ao Maracanã, ao Mineirão, ao Olímpico de Porto Alegre, a uma porção de campos de várzea, quadras malcuidadas, terrenos baldios. Onde houver uma bola rolando, um menino vai atrás.


jgcouto@uol.com.br

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