São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASQUALE CIPRO NETO

Vinicius e Neruda


Se Neruda e Vinicius vissem juntos a partida, tentariam fazer poesia com a poética do jogo

OS POETAS Vinicius de Moraes e Pablo Neruda eram grandes amigos. Além da poesia, tinham em comum a diplomacia e a consequente experiência de viver fora da pátria por um bom tempo. Atribui- -se ao chileno Neruda, ganhador do Nobel de literatura em 1971, um belo pensamento sobre a difícil arte de errar mundo afora: "Pobre de quem finca raízes em dois lugares: sofre duas vezes".
Por sua vez, em seu memorável poema "Pátria Minha", Vinicius escreveu: "Por que te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho / Pátria, eu semente que nasci do vento / Eu que não vou e não venho...".
Há registros fotográficos de encontros de Vinicius e Neruda. Em alguns deles, os poetas aparecem no inverno de Paris, com sobretudos, circunspectos, o pensamento aparentemente distante...
Pois quero trazê-los para o dia de hoje, quando suas pátrias se enfrentam em Johannesburgo. Bem, "suas pátrias se enfrentam" não é propriamente a expressão mais adequada, creio, já que ambos, além de não terem propriamente uma pátria -tinham várias e ao mesmo tempo nenhuma-, provavelmente não veriam o jogo como um enfrentamento. Se Neruda e Vinicius assistissem juntos à partida, certamente fariam poesia com a poética do jogo, se é que os jogadores que estarão no Soccer City farão alguma poesia. Tirante Robinho, Kaká, Valdivia e talvez Suazo, parece não haver muita chance de jogo bonito hoje.
Não se sabe se Neruda teve alguma relação com o futebol. De Vinicius, conhecem-se algumas citações ao tema, na poesia e na canção popular. Lembro-me do antológico "Olhe aqui, Mister Buster", que ele escreveu quando decidiu voltar para o Brasil, depois de servir em Los Angeles por cinco anos.
O texto é dedicado justamente ao senhor Buster, que não compreendia como Vinicius, tendo ainda o direito de ficar mais um ano, preferiu, com prejuízo financeiro, voltar para a "Latin America". Eis o final: "Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster: O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?".
Neruda certamente tinha o que equivaleria ao choro de Pixinguinha, à jabuticabeira, ao Botafogo. Como dizia Vinicius, "a palavra telúrico não é mera abstração". Mas tenho certeza de que, se ambos vissem juntos o jogo, não fariam o sentimento de amor à terra ("telúrico" diz respeito à Terra ou ao solo) exacerbar-se, ir aonde não deve ir. É isso.


Texto Anterior: Prancheta do PVC - Paulo Vinicius Coelho: Ele não é louco
Próximo Texto: Partida vira uma batalha psicológica
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.