São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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OLIMPÍADA

Primeira sul-americana a disputar uma prova olímpica, 70 anos atrás, Maria Lenk ainda nada e faz história

Pioneira nos Jogos acumula títulos aos 87

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Itaquicê estava prestes a levantar âncora e seguir rumo a Los Angeles quando o então chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, subiu a bordo para cumprimentar os representantes do Brasil na 10ª edição dos Jogos Olímpicos, cuja abertura seria realizada no dia 30 de julho de 1932.
Entre os 83 homens da delegação, chamava atenção a imagem de uma esguia nadadora de 17 anos, vestida com saia, tailleur e lenço na cabeça. Era Maria Lenk, a primeira mulher sul-americana a disputar uma Olimpíada.
"O navio partiu assim que Getúlio desembarcou, mas parou na altura do Pão de Açúcar para que alguns retardatários pudessem subir", lembra a nadadora sobre o dia do embarque no porto do Rio, um mês antes da Olimpíada.
O pioneirismo nos Jogos de Los Angeles, realizados há 70 anos, contudo, é apenas a primeira conquista registrada no recheado currículo dessa paulistana do bairro Santana, que aprendeu a nadar nas águas do Tietê.
Ainda na ativa aos 87 anos, Lenk coleciona 35 títulos, dois recordes mundiais e memórias notáveis sobre os primórdios da natação e do esporte competitivo do Brasil.
Os últimos três títulos foram amealhados em março deste ano, durante o Campeonato Mundial Master (para nadadores com mais de 25 anos), realizado em Christchurch, na Nova Zelândia.
"Vou continuar nadando até meu corpo aguentar", avisa.
Filha de alemães que imigraram para o Brasil em 1912, Lenk diz não ter segredo para sua vitalidade no esporte. Algumas dicas, porém, podem transparecer no livro "Longevidade e Esporte" (editora Técnica Científica), que ela pretende lançar em novembro.
"Minha grande virtude vem da genética: é a longevidade de meus pais. Eles morreram com mais de 90 anos. Acho que isso foi fundamental para minha trajetória".
Trajetória, aliás, que começou a ser escrita naqueles Jogos de 1932, após a épica viagem do Itaquicê.
Em Los Angeles, Lenk disputou sua primeira competição de grande envergadura. Não passou das eliminatórias, mas conheceu pessoas que a convenceram a persistir em um esporte sem nenhuma tradição no Brasil.
Nos bastidores do torneio, por exemplo, fez amizade com Jonnhy Weissmuller, o mais famoso ator a representar Tarzan.
"Apesar de estar sempre conversando e ensinando os nadadores, ele estava chateado por não poder competir. As regras do amadorismo eram muito rígidas na época", conta a brasileira.
Recordista mundial dos 100 m livre de 1922 a 1934, Weissmuller, ouro na prova nos Jogos de Amsterdã-1928, já trabalhava no cinema e fora proibido de competir.
Quatro anos depois, sob o olhar de Adolf Hitler, Lenk aproveitou a participação nos Jogos de Berlim para encaminhar sua carreira profissional fora das piscinas.
Após as provas, ela, que falava alemão fluente -aprendera com a mãe, Rosa, ainda na infância -, permaneceu na Alemanha para estudar na Academia de Educação Física do Reich. Lenk havia recebido o diploma da Escola Superior de Educação Física de São Paulo antes do embarque.
"Por causa da fluência na língua, recebi um convite para trabalhar em uma rádio local, mas recusei. Foi minha sorte. A brasileira que ficou no meu lugar morreu durante a guerra", lembra.

A decepção
Maria Lenk aguardava com apreensão os Jogos de Tóquio-1940. A razão era simples: conseguira superar dois recordes mundiais em 1939 -ambos homologados pela Fina e considerados os primeiros obtidos por uma mulher da América do Sul.
O primeiro foi obtido no dia 11 de outubro, nos 400 m peito (6min15s08), na piscina do Botafogo -a prova não é mais disputada em competições oficiais. No dia 8 de novembro, cravou a segunda marca, no Fluminense e nos 200 m peito (2min56s90).
O sonho do ouro olímpico, porém, esbarrou na Segunda Guerra (1939-1945). Inicialmente prevista para a capital japonesa, a Olimpíada chegou a ser transferida para a Finlândia, mas os conflitos ganharam dimensões planetárias.
"Não disputar aqueles Jogos foi a uma grande decepção", lembra.
A nadadora chegou a ensaiar uma aposentadoria em 1942, mas nunca abandonou o esporte.
Nos Mundiais de natação master, que começaram a ser disputados apenas em 1984, Lenk registrou a impressionante marca de 35 títulos em 18 anos.
"Conquistei sete medalhas de ouro no Mundial de Munique, em 2000. Disseram que eu era o Mark Spitz", brinca a nadadora, em referência ao atleta norte-americano que ganhou sete ouros na Olimpíada de Munique, em 1972.
Viúva do norte-americano Gilbert, que morreu em 1992, mãe de Marlem e Gilberto, Lenk passa férias em Albuquerque, na região do Novo México (EUA), e treina uma hora e meia todos os dias para o Campeonato Americano, que será realizado entre 14 e 16 de agosto. "Estou muito bem. Acho até que posso trazer uma medalhinha,", afirma, modestamente.


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