São Paulo, sexta-feira, 28 de julho de 2006

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FÁBIO SEIXAS

O kart 59

É sintomático que o Brasil possa ter só um piloto na F-1 e que os mais próximos dela sejam um Senna e um Piquet

DOMINGO, fim de tarde. Fernão Dias congestionada. Eis que surge um Fusca vermelho puxando uma pequena carreta. Sobre ela um kart. Número 59.
Anda-pára, anda-pára, anda-pára. E o Fusca ali ao lado, o tempo todo. Andando-parando. Levando, solerte, o kart 59. Vez ou outra, sua faixa resolvia acelerar e sumia de vista. Mas a minha logo dava o troco. E aí pintavam de novo, emparelhados, o Fusca e o kart 59.
Eram quatro os ocupantes do carro. Dois adultos e dois garotos. Pai, mecânico, piloto e amiguinho, talvez. Não tenho idéia de onde vinham, não sei de kartódromo ali.
A única certeza, uma triste certeza: onde quer que aquele menino tenha acelerado no final de semana, sua trupe foi corpo estranho. Uma brigada do exército de Brancaleone. Kart sempre foi brincadeira cara.
Mas, aos trancos e barrancos, era viável aos remediados. Agora, não mais. Correr o Paulista, o mais importante regional, não sai por menos de R$ 150 mil. Por temporada, um piloto que luta pelo título queima quatro chassis e oito motores. Kart puxado por um Fusca? Esquece. Aquele era mosca branca.
Garotos de sete anos têm hoje à disposição caminhão, motorhome, personal trainer, assessoria de imprensa e por aí vai. E, depois, qual é o próximo passo? Por enquanto, a F-Renault. Por enquanto. O contrato de Diniz com a montadora termina no fim do ano e nenhuma das partes está disposta a renovar. Já há um movimento de alguns pais para tentar organizar um campeonato em 2007 com os mesmos chassis -que terão seis anos de uso- empurrados por um motor comprado na Europa.
Fizeram coisa parecida com a F-Ford. Ficou um lixo. E depois? F-3 sul-americana. Que mantém o pomposo título continental para enganar os trouxas. Das 16 etapas deste ano, 10 são no Brasil e 6 na Argentina. Os pilotos são todos brasileiros -o único argentino que tentou correr, em Santa Fé, abandonou as três provas.
"Culpa da Stock Car, que atrai todos os patrocinadores", bradam os sobreviventes. Pode até ser conseqüência do crescimento da Stock pós-Globo. Mas ser mais competente não é exatamente uma "culpa". Tudo isso veio à cabeça ontem. Entrevista coletiva em Hockenheim. À mesa, Michael e Ralf Schumacher, Nico, Heidfeld. Quatro alemães. Todos criados no automobilismo local, dois deles filhos de um humilde zelador de Kerpen.
Que talvez levasse o kart pelas estradas alemãs num Volskswagen. Que certamente contou com apoio da federação alemã, enquanto o piloto do 59 dará com o nariz na porta se for tentar alguma ajuda da CBA.
Ou não é sintomático que o Brasil esteja prestes a ficar com apenas um representante na F-1 -Felipe Massa- e que os dois pilotos mais próximos de chegar sejam um Piquet e um Senna?

MUDANÇA DE PERFIL
Outro sintoma do cenário atual. O campeão da Stock, Giuliano Lossaco estréia neste fim de semana na Nascar West, divisão da principal categoria dos EUA. Atual líder, Cacá Bueno estréia na Porsche Supercup, em Hockenheim. E assim o Brasil continua exportando pilotos. Mas, agora, de turismo.

BATALHA PERDIDA
Keith Turco, diretor da Computer Associates, explicou dessa forma o término do patrocínio na McLaren: "A F-1 não aparece no nosso principal mercado, a América do Norte". É... Está sendo mais duro do que Ecclestone imaginava.

PELO BRASIL
O Sertões começou pra valer ontem, em Goiânia, e termina na sexta, em Porto Seguro. Em Interlagos, domingo, acontece os 500 km.


fseixas@folhasp.com.br

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