São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2004

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FUTEBOL

Pequenas grandes mulheres

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A esta altura acho que todo mundo concorda: a ginasta Daiane dos Santos e as moças da seleção brasileira de futebol feminino são as derrotadas mais vitoriosas da Olimpíada de Atenas.
A primeira porque deu ao país e ao mundo uma lição de grandeza e sobriedade ao recusar as lamentações, as desculpas e as lágrimas, dizendo simplesmente: "Errei. Isso acontece no esporte".
As câmeras ávidas pelo espetáculo do martírio e da catarse não tiveram o que mostrar, senão a imagem límpida e serena daquela pequena grande mulher consciente de seu imenso valor, mas também de sua falibilidade humana.
As garotas do futebol, por sua vez, mostraram uma garra e um talento que surpreenderam a todos, até mesmo aos que seguem mais ou menos de perto o futebol feminino.
O fato de terem jogado a final contra os Estados Unidos dá à sua saga uma aura simbólica. Poucas vezes ficaram expostos tão claramente os contrastes entre as condições materiais dos dois países. A luta de nossas jogadoras, dentro de campo, contra esse descompasso estrutural foi uma das coisas mais belas e comoventes dos últimos tempos.
Confesso que, antes da Olimpíada, eu tinha uma simpatia apenas teórica, de princípio, pelo futebol feminino. Como a maioria dos brasileiros, não via muita graça nos jogos entre mulheres.
Pois bem. Marta, Formiga, Cristiane, Pretinha, Rosana e companhia me conquistaram plenamente. Poucas vezes na vida vibrei e torci tanto quanto na final de anteontem. E garanto que não foi por paternalismo, condescendência ou compaixão, e sim pelo que elas jogaram.
Não vou repisar o que todo mundo já leu ou ouviu a respeito das precárias circunstâncias em que nossas futebolistas praticam, ou tentam praticar, o seu ofício.
Como bem escreveu Mário Magalhães ontem neste espaço, a seleção feminina de futebol é a cara do Brasil.
Mas não é só a cara do Brasil que está aí, com todas as suas enormes distorções, carências e injustiças. É também a cara do Brasil que pode vir a existir, um país construído com arte, empenho e solidariedade.
Mais do que apenas treinar essas moças, o que o técnico Renê Simões fez foi ajudá-las a descobrir em si mesmas seu valor e suas possibilidades até então adormecidas. Talvez seja isso o que elas, sem palavras, apenas com o seu jogo, tenham feito também pelas mulheres pobres e batalhadoras deste país.
A mensagem que elas escreveram com os pés é clara: a despeito das adversidades, da exclusão social, da indiferença das elites e da apatia das massas, é possível construir um destino diferente daquele que traçaram para nós os deuses do Olimpo ou do Fundo Monetário Internacional.
É a luta da vontade humana contra a dureza do mundo. Por enquanto, a bola está batendo na trave. Com um pouco mais de treino e perseverança talvez ela entre no gol.

Ditadura da saúde
A maior diferença entre o futebol feminino e o masculino, a meu ver, está na defesa, e não no ataque. As jogadoras têm mais dificuldade em dar passes longos que façam a ligação da defesa com o ataque. Resulta disso que o time que ataca, se marca por pressão, "aluga" por bom tempo o campo do adversário. Leva vantagem a equipe que tem preparo físico para exercer essa pressão por mais tempo, obrigando a zaga adversária ao erro de passe ou ao chutão para fora. Essa ""ditadura da saúde" tende a ser amenizada se o campo for diminuído e a bola ficar mais leve, como propõe Renê Simões. Convém aproveitar o momento para fazer essa discussão, bem como a da necessidade de investir no futebol feminino do Brasil.

E-mail
jgcouto@uol.com.br


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