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FUTEBOL
Pequenas grandes mulheres
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A esta altura acho que todo
mundo concorda: a ginasta
Daiane dos Santos e as moças da
seleção brasileira de futebol feminino são as derrotadas mais vitoriosas da Olimpíada de Atenas.
A primeira porque deu ao país e
ao mundo uma lição de grandeza
e sobriedade ao recusar as lamentações, as desculpas e as lágrimas,
dizendo simplesmente: "Errei. Isso acontece no esporte".
As câmeras ávidas pelo espetáculo do martírio e da catarse não
tiveram o que mostrar, senão a
imagem límpida e serena daquela pequena grande mulher consciente de seu imenso valor, mas
também de sua falibilidade humana.
As garotas do futebol, por sua
vez, mostraram uma garra e um
talento que surpreenderam a todos, até mesmo aos que seguem
mais ou menos de perto o futebol
feminino.
O fato de terem jogado a final
contra os Estados Unidos dá à sua
saga uma aura simbólica. Poucas
vezes ficaram expostos tão claramente os contrastes entre as condições materiais dos dois países. A
luta de nossas jogadoras, dentro
de campo, contra esse descompasso estrutural foi uma das coisas
mais belas e comoventes dos últimos tempos.
Confesso que, antes da Olimpíada, eu tinha uma simpatia apenas teórica, de princípio, pelo futebol feminino. Como a maioria
dos brasileiros, não via muita
graça nos jogos entre mulheres.
Pois bem. Marta, Formiga, Cristiane, Pretinha, Rosana e companhia me conquistaram plenamente. Poucas vezes na vida vibrei e torci tanto quanto na final
de anteontem. E garanto que não
foi por paternalismo, condescendência ou compaixão, e sim pelo
que elas jogaram.
Não vou repisar o que todo
mundo já leu ou ouviu a respeito
das precárias circunstâncias em
que nossas futebolistas praticam,
ou tentam praticar, o seu ofício.
Como bem escreveu Mário Magalhães ontem neste espaço, a seleção feminina de futebol é a cara
do Brasil.
Mas não é só a cara do Brasil
que está aí, com todas as suas
enormes distorções, carências e
injustiças. É também a cara do
Brasil que pode vir a existir, um
país construído com arte, empenho e solidariedade.
Mais do que apenas treinar essas moças, o que o técnico Renê
Simões fez foi ajudá-las a descobrir em si mesmas seu valor e suas
possibilidades até então adormecidas. Talvez seja isso o que elas,
sem palavras, apenas com o seu
jogo, tenham feito também pelas
mulheres pobres e batalhadoras
deste país.
A mensagem que elas escreveram com os pés é clara: a despeito
das adversidades, da exclusão social, da indiferença das elites e da
apatia das massas, é possível
construir um destino diferente
daquele que traçaram para nós os
deuses do Olimpo ou do Fundo
Monetário Internacional.
É a luta da vontade humana
contra a dureza do mundo. Por
enquanto, a bola está batendo na
trave. Com um pouco mais de
treino e perseverança talvez ela
entre no gol.
Ditadura da saúde
A maior diferença entre o futebol feminino e o masculino, a
meu ver, está na defesa, e não
no ataque. As jogadoras têm
mais dificuldade em dar passes
longos que façam a ligação da
defesa com o ataque. Resulta
disso que o time que ataca, se
marca por pressão, "aluga" por
bom tempo o campo do adversário. Leva vantagem a equipe
que tem preparo físico para
exercer essa pressão por mais
tempo, obrigando a zaga adversária ao erro de passe ou ao
chutão para fora. Essa ""ditadura da saúde" tende a ser amenizada se o campo for diminuído
e a bola ficar mais leve, como
propõe Renê Simões. Convém
aproveitar o momento para fazer essa discussão, bem como a
da necessidade de investir no
futebol feminino do Brasil.
E-mail
jgcouto@uol.com.br
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