|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FUTEBOL
Por que Maradona vai a Cuba
FÁBIO VICTOR
DO PAINEL FC
Dalma tem 17 anos, é atriz de
telenovelas infantis e a filha
mais velha de Diego Maradona.
Deu uma entrevista ontem a uma
emissora de TV da qual sobressai
uma frase: "Muitas vezes cheguei
a querer que ele não fosse famoso,
que ele não fosse Maradona, mas
as coisas se deram assim".
Dalma está angustiada, e sua
angústia, dividida com milhões
de admiradores pelo mundo afora, incluído o autor destas linhas,
é daquelas insolúveis. Simplesmente porque o pai dela, o mais
fascinante personagem do futebol
mundial nos últimos 30 anos, talvez da história, é indomável.
Não é cocaína o mal de Maradona. Cortem-lhe a cocaína que
ele vai atrás de outra coisa, qualquer atalho que lhe desvie da
náusea desse mundo incompreensível. Vai fazê-lo aos gritos,
aos prantos, a barrigadas, como
seja. Mas não aceitará coleira.
Maradona nasceu pobre, livre e
transgressor. Desobedecia a mãe
desde garoto, na favela de Villa
Fiorito, onde dividia um quarto
com sete irmãos. Ele conta em sua
biografia ("Yo soy el Diego", ed.
Planeta) que a sua velha só lhe
permitia ir às peladas depois das
cinco, quando o sol baixava.
"Sim, mami, sim, mami, fique
tranqüila". E saía às duas de casa,
com meu amigo Negro, com meu
primo Beto ou com quem fosse, e
às duas e quinze estávamos jogando (...) e nada nos importava
e nos matávamos...".
Quem, pelo menos uma vez na
vida, teve o deleite de assistir ao
argentino conduzir uma bola -a
cabeça sempre erguida-, chutá-la, lançá-la, brincar com ela entre
marcadores atordoados sabe que
ele foi um fora-de-série.
Mas quem conhece também um
pouco de sua história descobre
que ele é mais que isso.
É a encarnação da contradição
da América Latina, com suas misérias e riquezas, com sua vocação libertária limitada pela condição marginal.
Não é por acaso, pois, sua mais
recente briga com o mundo. Maradona passou por cima da família e dos médicos e, mesmo inchado, combalido e com o coração
frágil, decidiu voltar a Cuba.
Muitos não entendem o porquê.
Pode ser pela libertinagem de que
gozou nos últimos anos de "tratamento" na ilha, pode ser para fugir da mídia argentina.
Talvez pelo amor à aura revolucionária do país -que ele reverencia sob a forma de tatuagens
de Fidel e Che na perna e no braço- ou, quem sabe, pelo belo
mar do Caribe.
Eu arrisco uma: Maradona foi a
Cuba porque queriam que ele
não fosse.
A interpretação segue e saúda
José Régio, poeta português imortalizado por Paulo Gracindo no
musical "Brasileiro, Profissão Esperança":
"Que ninguém me dê piedosas
intenções, não me peça definições/ Ninguém me diga: Vem por
aqui/ Minha vida é um vendaval
que se soltou, é uma onda que se
levantou, é um átomo a mais que
se animou/ Não sei por onde vou/
Não sei pra onde vou/ Sei que não
vou por aí!".
Ele sobre Pelé
"Como jogador foi o máximo,
mas não soube aproveitar isso
para enaltecer o futebol. Teria
gostado de que ele se propusesse, como eu, a presidir uma associação que defenda os direitos dos jogadores, que se ocupasse de Garrincha e não o deixasse morrer na ruína, que lutasse contra as ações dos poderosos que nos prejudicam." Da
biografia "Yo Soy El Diego".
Pelé sobre ele
"Rezei para ele se livrar logo
dos problemas com drogas.
Quando isso acontecer, aí a
gente faz uma sessão privada
[do filme "Pelé Eterno"] na Argentina e deixa ele tirar suas
próprias conclusões [sobre
quem é o melhor jogador da
história]. E eu espero que o
Maradona esteja sóbrio para
ver." No lançamento do filme.
E-mail fvictor@folhasp.com.br
Excepcionalmente hoje não é publicada a
coluna de Marcos Augusto Gonçalves
Texto Anterior: Basquete - Melchiades Filho: Porcelana chinesa Próximo Texto: Futebol: Real galáctico iguala desastre de garotos Índice
|