São Paulo, terça-feira, 28 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Por que Maradona vai a Cuba

FÁBIO VICTOR
DO PAINEL FC

Dalma tem 17 anos, é atriz de telenovelas infantis e a filha mais velha de Diego Maradona. Deu uma entrevista ontem a uma emissora de TV da qual sobressai uma frase: "Muitas vezes cheguei a querer que ele não fosse famoso, que ele não fosse Maradona, mas as coisas se deram assim".
Dalma está angustiada, e sua angústia, dividida com milhões de admiradores pelo mundo afora, incluído o autor destas linhas, é daquelas insolúveis. Simplesmente porque o pai dela, o mais fascinante personagem do futebol mundial nos últimos 30 anos, talvez da história, é indomável.
Não é cocaína o mal de Maradona. Cortem-lhe a cocaína que ele vai atrás de outra coisa, qualquer atalho que lhe desvie da náusea desse mundo incompreensível. Vai fazê-lo aos gritos, aos prantos, a barrigadas, como seja. Mas não aceitará coleira.
Maradona nasceu pobre, livre e transgressor. Desobedecia a mãe desde garoto, na favela de Villa Fiorito, onde dividia um quarto com sete irmãos. Ele conta em sua biografia ("Yo soy el Diego", ed. Planeta) que a sua velha só lhe permitia ir às peladas depois das cinco, quando o sol baixava. "Sim, mami, sim, mami, fique tranqüila". E saía às duas de casa, com meu amigo Negro, com meu primo Beto ou com quem fosse, e às duas e quinze estávamos jogando (...) e nada nos importava e nos matávamos...".
Quem, pelo menos uma vez na vida, teve o deleite de assistir ao argentino conduzir uma bola -a cabeça sempre erguida-, chutá-la, lançá-la, brincar com ela entre marcadores atordoados sabe que ele foi um fora-de-série.
Mas quem conhece também um pouco de sua história descobre que ele é mais que isso.
É a encarnação da contradição da América Latina, com suas misérias e riquezas, com sua vocação libertária limitada pela condição marginal.
Não é por acaso, pois, sua mais recente briga com o mundo. Maradona passou por cima da família e dos médicos e, mesmo inchado, combalido e com o coração frágil, decidiu voltar a Cuba.
Muitos não entendem o porquê. Pode ser pela libertinagem de que gozou nos últimos anos de "tratamento" na ilha, pode ser para fugir da mídia argentina.
Talvez pelo amor à aura revolucionária do país -que ele reverencia sob a forma de tatuagens de Fidel e Che na perna e no braço- ou, quem sabe, pelo belo mar do Caribe.
Eu arrisco uma: Maradona foi a Cuba porque queriam que ele não fosse.
A interpretação segue e saúda José Régio, poeta português imortalizado por Paulo Gracindo no musical "Brasileiro, Profissão Esperança":
"Que ninguém me dê piedosas intenções, não me peça definições/ Ninguém me diga: Vem por aqui/ Minha vida é um vendaval que se soltou, é uma onda que se levantou, é um átomo a mais que se animou/ Não sei por onde vou/ Não sei pra onde vou/ Sei que não vou por aí!".

Ele sobre Pelé
"Como jogador foi o máximo, mas não soube aproveitar isso para enaltecer o futebol. Teria gostado de que ele se propusesse, como eu, a presidir uma associação que defenda os direitos dos jogadores, que se ocupasse de Garrincha e não o deixasse morrer na ruína, que lutasse contra as ações dos poderosos que nos prejudicam." Da biografia "Yo Soy El Diego".

Pelé sobre ele
"Rezei para ele se livrar logo dos problemas com drogas. Quando isso acontecer, aí a gente faz uma sessão privada [do filme "Pelé Eterno"] na Argentina e deixa ele tirar suas próprias conclusões [sobre quem é o melhor jogador da história]. E eu espero que o Maradona esteja sóbrio para ver." No lançamento do filme.

E-mail fvictor@folhasp.com.br


Excepcionalmente hoje não é publicada a coluna de Marcos Augusto Gonçalves

Texto Anterior: Basquete - Melchiades Filho: Porcelana chinesa
Próximo Texto: Futebol: Real galáctico iguala desastre de garotos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.