São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

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JOSÉ GERALDO COUTO

O ano que já vai tarde


A iniciativa de colocar torcidas rivais lado a lado foi uma das poucas coisas boas de uma temporada medíocre


O ANO de 2006 prometia grandes emoções: eleições que colocariam em debate grandes projetos para o país, seleção brasileira tinindo para buscar o hexa na Copa da Alemanha, espetáculo do crescimento, o país do futuro chegando finalmente ao presente.
Tudo se frustrou. O ano chega próximo do seu fim com uma disputa eleitoral entre o ruim e o pior, ancorada numa discussão política rasteira, e o nosso futebol, depois do fiasco na Copa do Mundo, afunda na mais opaca mediocridade.
Sim, restam algumas poucas emoções no Brasileirão. Se é quase certo que o São Paulo será campeão, resta saber que clubes entrarão com ele e com o Internacional na Libertadores do ano que vem. O Grêmio está praticamente garantido. Santos, Vasco e Paraná disputam as duas vagas restantes.
Na ponta de baixo da tabela, a situação é semelhante. Santa Cruz, São Caetano e Fortaleza já estão com um pé na Série B. Ponte Preta, Fluminense, Palmeiras, Corinthians e Juventude brigam para não ficar com a quarta "vaga".
Poucos são os jogos belos ou emocionantes. Um clássico de desesperados como o último Corinthians x Palmeiras é um festival de correria, trombadas e passes errados. Significativamente, os craques do torneio são carregadores de piano que atuam no meio-campo, como o são-paulino Mineiro e o gremista Lucas.
É muito pouco para quem esperava "os grandes sóis violentos", como diria Drummond. Mas é o que ocorre com o país como um todo. Debate pobre, ausência de novas forças políticas, crescimento econômico pífio, onipresença da corrupção e do crime. Para completar, a notícia, divulgada anteontem pela Unesco, de que o Brasil ficou em 72º lugar no ranking da educação, atrás de países como o Paraguai.
O que fazer? Mudar de país? Não. Antes mudar o país. Difícil é saber por onde começar. Mas por qualquer lugar que se comece já será melhor do que ficar parado. Por exemplo: a iniciativa do movimento Paz nos Estádios, patrocinado pelo Ministério do Esporte, de colocar os membros das torcidas organizadas palmeirenses e corintianas para assistirem juntos ao clássico entre as equipes, no Morumbi.
Sim, é uma ação ainda tímida, essencialmente simbólica, e muitos temem que não tenha grande efeito, até porque os chefes máximos das principais organizadas (Gaviões da Fiel e Mancha Alviverde) não se dignaram a comparecer. Mas é um passo significativo. A esfera simbólica também tem força real. Ou, no jargão démodé de Marx, "a ideologia se torna uma força material quando se apodera das massas".
Se o torcedor se der conta de que quem infelicita a sua vida não é o torcedor do time rival (afinal, um mortal frágil e falível como ele próprio), se abrir para ele os seus braços, teremos meio caminho andado. Aí só falta construir um país.

PAU GRANDE
Há 73 anos, num 28 de outubro como hoje, nascia em Pau Grande (RJ) Manoel dos Santos, o Garrincha. O nome da sua cidade natal, além de ter gerado inevitáveis referências jocosas ao proverbial apetite sexual do craque, pode ser visto também como signo da potência criadora do artista brasileiro, capaz de gerar poesia e beleza a partir das condições mais precárias e adversas. Todos os que ainda apostam na aventura da criação, num mundo cada vez mais pasteurizado pelos interesses econômicos e pelo pensamento único deles decorrente, deveriam venerar Garrincha, esse ser "varado de luz feito um santo de vitral", para usar a bela imagem de Nelson Rodrigues. Se todos os nossos heróis morreram de overdose, como dizia Cazuza, Garrincha certamente foi um deles. O próprio Cazuza, aliás, foi outro.

jgcouto@uol.com.br


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