São Paulo, quarta-feira, 28 de novembro de 2007

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"Sou única, e isso incomoda"

Suspensa por doping, Rebeca Gusmão diz que suas colegas se preocupam demais com a vaidade

Atleta ressalta seu físico, diz que pretende voltar mais forte, mas também cogita a hipótese de ser banida do esporte: "A vida continua"


Lula Marques/Folha Imagem
Rebeca Gusmão, para quem as brasileiras precisam se preocupar menos com a aparência


ADALBERTO LEISTER FILHO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Sem falar com a imprensa nas últimas duas semanas, quando, entre outras coisas, virou caso de polícia, Rebeca Gusmão, 23, resolveu contra-atacar. A nadadora, apelidada de Gigante por sua musculatura avantajada, disse que abriu mão da vaidade para ter ganhos de performance nas provas. Produzida, com maquiagem, boina, colete preto e brincos enormes, Rebeca falou à Folha sobre sua situação -defende-se de três acusações de doping- e rebateu as críticas veladas que recebe até de colegas. A nadadora será julgada em dezembro por exame feito no ano passado. Outro teste, realizado em julho, detectou alto índice de testosterona. E análise de laboratório constatou que outras duas amostras de sua urina, colhidas durante o período do Pan, possuem dois DNAs, o que pode configurar fraude e pena por doping. Se condenada, perderá os dois ouros obtidos no Rio, os únicos de uma mulher na natação brasileira até hoje.

 

FOLHA - Você tem recebido apoio de outras atletas?
REBECA GUSMÃO -
Nunca tive muitas amigas na natação. Sempre tive colegas. Claro que tenho consideração por muita gente. As amigas continuam apoiando. A Mariana Brochado passou um final de semana aqui comigo. A Fabíola Molina mandou e-mail. A Naiara [Ribeiro] ligou. Também recebi telefonema da Shelda [vôlei de praia].

FOLHA - Mas houve atletas que a criticaram?
REBECA -
Só pelas costas. Ninguém fala na cara.

FOLHA - As nadadoras, mesmo que de maneira velada, falam muito da transformação de seu corpo...
REBECA -
É fácil pegar a foto de uma menina e comparar com uma mulher. Mas por que não pegam foto das americanas e australianas e comparam? Porque eu sou a única no Brasil assim. E isso incomoda muita gente. Se você não é igual, vai incomodar. Sei que incomodo mesmo. Mas fui a primeira mulher da natação do Brasil a ganhar o ouro no Pan. As pessoas sempre falaram mesmo, fofocaram. Não tem, o que fazer. Quem está mais preocupado com a vida alheia do que em treinar precisa dar desculpas para justificar o fracasso.

FOLHA - Mas por que só você sofreu essa transformação no Brasil? As outras não treinam?
REBECA -
Não é que não treinem. Mas acho que as brasileiras precisam se preocupar menos com aparência e mais com performance. Técnicos estrangeiros me dizem: "Acho legal ver em seus olhos que você tem o sonho olímpico". Meu sonho é ir à Olimpíada, brigar com o pessoal lá de fora, que também é grande, e ganhar medalha.

FOLHA - Suas colegas, por outro lado, não fazem frente às estrangeiras nas provas de revezamento?
REBECA -
Escuto de dirigentes: "Vamos botar você para abrir porque é a única que pode enfrentar essa cavalada". Nessa hora eu existo, sou a Rebeca.

FOLHA - E fora da piscina?
REBECA -
Quando chega aqui é estranho. Há até certo preconceito dos homens brasileiros em relação a essas coisas. Gosto de ser assim. Ninguém paga minhas contas, não devo nada a ninguém. Quem quiser apoiar que apóie. Se voltar a competir, quero voltar até mais forte.

FOLHA - Além da musculação, a alimentação te ajudou a crescer?
REBECA -
Sim. Faço 12 refeições por dia. Não tenho frescura. Se tiver que comer, como. Não tenho medo de engordar. Quem quiser ser alguma coisa tem que fazer tudo. Estou disposta a treinar mais, acordar mais cedo, ganhar peso. Há atletas preocupadas só em ir à Olimpíada, competir e ganhar dinheiro. Acho que você tem que investir o dinheiro em coisas úteis: ir a provas, comprar acessórios, ter uma equipe excelente com você. E não ficar preocupado com outras coisas. Todo dinheiro que ganhei com a natação investi em mim.

FOLHA - E após o doping? Houve saída de patrocinadores?
REBECA -
Perdi alguns. Mas há outros que estão comigo. Isso é bom. Porque a defesa tem um gasto. Graças a Deus, meu clube [São Caetano], a UniCEUB [Centro Universitário de Brasília] e a CBTI [empresa de computação] estão dando força. Nunca dei muita atenção aos que me abandonaram.

FOLHA - Teme perdê-los, em caso de condenação?
REBECA -
Depois que o atleta é suspenso, o patrocinador toma a atitude que achar necessária. Tudo bem. Mas enquanto há esse processo, você tem gastos. Ainda pago despesas de hospedagem que tive neste ano.

FOLHA - Algumas pessoas relacionaram a saída da Renata Castro da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos com seu caso de doping. O que acha disso?
REBECA -
A saída da Renata da direção do antidoping da CBDA me assustou. Respeito a atitude dela. Não tinha nada a ver comigo. É uma pessoa que sempre foi muito profissional. De março de 2006 a setembro deste ano passei por 22 controles. Nem sempre com ela.

FOLHA - Foi ela que obteve isenção de uso terapêutico para tratamento de sua asma?
REBECA -
Tenho autorização para salbutamol e corticóide. Tenho asma desde criança. Fiz exames que comprovam isso. Minha médica mandou os resultados para a Renata, que encaminhou à Fina [federação de natação], que autorizou.

FOLHA - Você acredita que possa competir na Olimpíada de Pequim?
REBECA -
Estou resolvendo uma coisa de cada vez. Agora é a contraprova [dia 3 de dezembro, em Montréal]. A próxima é o julgamento [pela Corte de Arbitragem do Esporte] e depois a gente não sabe. Pequim está de lado, por enquanto. Não é minha prioridade. Não sei se tenho expectativa. Quando você passa por um momento desses, é complicado. Sempre tive que provar que era boa na natação, que posso ser a esperança deste país. Não sei se tenho expectativa de ir a Pequim.

FOLHA - O primeiro passo será a análise da amostra B. Sua defesa irá questionar o laboratório, que teria errado no exame de 2006?
REBECA -
Isso é uma coisa que minha defesa está montando. Vamos questionar. Se você compra o produto de uma empresa e contesta a qualidade desse produto, a pessoa não vai voltar a comprar lá.

FOLHA - Com tantas acusações de doping, você teme ser banida?
REBECA -
Já pensei. Já até amadureci a idéia. Mas sou uma pessoa que sempre pensa positivo. Claro que, se isso acontecer, tenho outras coisas para fazer. Quero terminar os estudos [de educação física]. E a vida continua. A vida de atleta não é para sempre. Uma hora a gente pára mesmo. Claro que parar dessa forma é a pior.


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