São Paulo, sábado, 28 de novembro de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

De marcha a ré


Os sucessivos tropeços dos favoritos fazem da reta final do Brasileirão uma estranha corrida para trás


EM SEU volume de memórias, "Um Livro Aberto", o cineasta John Huston conta que presenciou certa corrida de cavalos singular. Por conta de uma tramoia qualquer de mafiosos, os jóqueis dos cavalos mais velozes foram pressionados a perder o páreo. Na reta final, todos freavam seus corcéis de maneira tão acintosa que, para Huston, só faltou darem marcha a ré.
O atual Campeonato Brasileiro me fez lembrar dessa corrida. Em algum momento decisivo, ou em mais de um, cada um dos principais favoritos ao título (Palmeiras, São Paulo, Internacional, Flamengo) rateou, como se puxasse o freio.
Antes que, nestes tempos de patrulha ostensiva, algum afoito me interprete mal, digo que a diferença é que no Brasileirão esses titubeios não têm a ver com maracutaia. Têm a ver com o quê, então? Aí é que está o mistério. Certamente os motivos de cada um são diferentes.
Os palmeirenses, por exemplo, que chegaram a ficar cinco pontos na frente, talvez tenham relaxado como a lebre da fábula, achando que já eram campeões. Já os são-paulinos, quando se viram de repente na liderança, com a qual já não contavam, parecem ter pensado "Ah, não, outra vez?", e sucumbiram ao tédio paralisante dos que estão habituados a ter tudo na vida.
O Flamengo, por sua vez, seria um caso típico de "medo de ser feliz". Ao contrário dos são-paulinos, os rubro-negros não sabem o que é um título nacional há muitos anos e se assustaram quando viram um caindo no seu colo.
Vistos em conjunto, porém, os vacilos dos principais competidores configuram uma curiosa corrida invertida. Se houvesse terceiro turno, Fluminense, Botafogo, Náutico e Sport brigariam pelo título.

Big Brother
O presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, está de novo na berlinda. Desta vez, porque "vazou" para a internet um vídeo em que ele aparece dizendo, numa festa, a frase "vamos matar esses bambis". É fácil criticá-lo por isso, mas também é fácil desculpá-lo.
Vamos começar desculpando.
Quantas vezes, num ambiente de descontração, dissemos ou ouvimos alguém dizer em tom de brincadeira uma frase semelhante, muitas vezes, na presença da própria "vítima"?
Agora o outro lado. Um homem inteligente como Belluzzo sabe que o presidente de um grande clube está o tempo todo sob os refletores, as câmeras e os microfones. Uma frase como a sua, extraída do contexto e lançada num ambiente de ânimos exaltados, pode botar mais lenha na fogueira, reforçar o clima bélico, reiterar o preconceito homofóbico etc.
O episódio me lembrou daquela vez em que Felipão foi flagrado por um microfone indiscreto, no vestiário do Palmeiras, incentivando seus jogadores a "passar a mão na bunda do Edílson" (então no Corinthians) para desestabilizá-lo.
Em vez de julgar esses deslizes, talvez seja o caso de refletir sobre um mundo em que o indivíduo, vigiado 24 horas por dia, perde cada vez mais a espontaneidade e o sagrado direito de, vez por outra, falar besteira. O que seria de um João Saldanha num mundo como esse?

jgcouto@uol.com.br


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