São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

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Luvas de cetim

Os dois mundos de um campeão de boxe

Emile Griffith, dono de 6 cinturões, é 1º campeão a admitir homossexualismo

Em livro, membro do Hall da Fama fala sobre opção sexual e lamenta morte de rival que pôs em coma após ser chamado de "maricón"


EDUARDO OHATA
DA REPORTAGEM LOCAL

Membro do Hall da Fama, ele levantou seis títulos mundiais no mais viril dos esportes, o boxe. E foi também o primeiro campeão a admitir seu homossexualismo, por meio da recém-publicada biografia, ""Nine... Ten... And Out!", que mostra o trânsito de Emile Griffith, 70, por seus ""dois mundos".
Essa encruzilhada, porém, deixou como legado conseqüências trágicas: Após ser xingado de ""maricón" [homossexual, em castelhano], o nativo das Ilhas Virgens radicado nos EUA, de sorriso fácil e maneiras gentis, pôs em coma no ringue o cubano Benny ""Kid" Paret, que morreu dias depois.
Griffith era, segundo conhecidos, pessoa ""boa demais", com senso de prioridades incomum, segundo o autor Ron Ross, que foi também consultor do documentário ""Ring of Fire", sobre a vida do pugilista.
Não foram raras as vezes em que faltou a entrevistas para promover uma de suas lutas por causa de outro compromisso: Dirigir a equipe de beisebol ""The Griffs". Afinal, não poderia decepcionar os meninos carentes que integravam o time.
Em outro episódio, enquanto o manager de um de seus adversários alertava para os ""golpes sujos" de Griffith, o pugilista elogiava os bifes do restaurante do tal empresário, do qual era freqüentador assíduo. ""Por US$ 1,99, o prato vem ainda com salada e fritas", festejou.
Outro detalhe que ajudou a compor aura exótica em torno de Griffith foi seu passatempo: designer de chapéus. (Antes de calçar as luvas, Griffith trabalhava na fábrica de chapéus de seu manager, Howie Albert).
Apesar de haver burburinho sobre as preferências sexuais de Griffith -mesmo após ter se casado e ter sido pai afirmava-se que era uma ""fachada"-, o lutador jamais havia reconhecido. Temia ferir a mãe, Emelda, e seu técnico, Gil Clancy.
O restante da família, porém, tinha conhecimento de seu estilo de vida. Um de seus maiores críticos era Franklin, seu irmão, que também ficou chateado por Griffith ter parado de pagar sua faculdade. Mas quando isso ocorreu foi porque Franklin havia se casado e sido pai. Griffith acreditava que, no caso, o irmão tinha de aprender a ser responsável pela família.
Griffith considerava Paret um amigo, ou ao menos um igual: eram imigrantes de países da América Central, e seguiam trajetórias semelhantes. Por isso o comportamento do cubano na cerimônia de pesagem para seu segundo e terceiro combate o enfureceram.
Na primeira, Paret rebolou enquanto apontava para o rival. Na segunda, foi mais incisivo.
As imagens, chocantes, do duelo, que teve transmissão ao vivo pela TV, foram testemunhadas por aproximadamente 14 milhões de telespectadores.
No 12º assalto, Griffith atingiu 21 golpes consecutivos em Paret, que àquela altura já tinha metade do corpo para fora do ringue e se mantinha em pé graças somente à segunda corda. O cubano caiu, entrou em coma e morreu dez dias depois.
O que se seguiu foi uma enxurrada de cartas, muitas delas com ameaças. Mas não foi isso o que mais perturbou Griffith.
Décadas depois, já figura assídua na comunidade gay, Griffith assumiu em 2006 a vice-presidência da Stonewall Veterans Association, uma associação homossexual de Nova York.
A Folha tentou agendar entrevista com Griffith, mas foi informada por Ross que ele hoje sofre de problemas neurológicos e que por isso enfrenta dificuldade para se comunicar. Ao perceber o tom de consternação da reportagem, o autor informou: ""Emile está feliz. Vive em seu mundo, mas feliz".


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