São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2007

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Octingentésimo nonagésimo nono gol

Este gol mil de Romário é uma forma de chegar à manchete, um ótimo trabalho de assessoria de imprensa

N ESTE FIM DE semana é bem provável que Romário marque um gol contra o Botafogo. Se isso acontecer, no domingo ele será o principal assunto de todas as mesas-redondas e terá reportagem especial no "Fantástico". E, na segunda-feira, estará em todas as primeiras páginas dos jornais do país. E, na verdade, é isso o que é este gol mil de Romário: uma forma de chegar às manchetes, um ótimo trabalho de assessoria de imprensa. Todos gostamos de Romário, todos temos carinho e admiração por ele, mas daí a aceitar que ele está fazendo mil gols há uma grande distância. É ser muito condescendente, complacente, frouxo.
Aceitar este gol como o milésimo é ser conivente com o jeitinho brasileiro, com a mania nacional de acochambração. E o Baixinho merece uma homenagem mais verdadeira. Essa história de "deixa ele contar os gols do jeito dele" é um desrespeito com os amantes do futebol e com o próprio Romário. Para driblar o problema de aceitar ou não os gols de Romário, alguns jornais usam asterisco ou dizem entre parênteses algo como "segundo as suas contas". Isso me parece pouca coisa. É preciso estabelecer um parâmetro e fazer a estatística certa.
Por exemplo, é óbvio que contar os gols dos tempos de amador não vale. Nem gols contra amadores. Se for assim, o cantor Daniel também vai querer contar seus gols em jogos beneficentes, e Didi (o humorista, não o jogador) poderia contabilizar seus gols quando fazia shows futebolísticos pelo Brasil. Sem falar nos milhares de craques de fim de semana espalhados pelo Brasil, que fazem jogos que servem de aperitivo para seus churrascos pantagruélicos.
É claro que festejar é divertido, é claro que chegar aos mil gols seria um bom modo de Romário deixar o futebol por cima, seria colocá-lo num panteão onde estão apenas três deuses: Eusébio, Puskas (ambos em números não muito precisos) e Pelé (que também tem alguns gols absurdos em suas contas, como os da seleção do Exército, gols que também não deveriam ser contados). Mas mentir para chegar a este panteão não vale. E contar os gols de quando ele tinha 13 anos ou da partida entre os Amigos de Luisinho x América-RJ é mentir.
Muitos aceitam essas contas porque, de certa forma, tratamos os jogadores, e especialmente Romário, como meninos traquinas, como crianças que não cresceram e continuam a jogar bola como quando pequenos. Mas não pode ser assim. Os jogadores são adultos, o futebol é seu trabalho, e eles devem ser tratados com toda a seriedade. Por isso creio que só podem ser considerados os gols que ocorreram em jogos que utilizaram jogadores profissionais. E, é claro, seleções oficiais de atletas profissionais. Isso diminuiria o número de gols de Romário, mas não faria dele um jogador menos fantástico, não faria com que ele deixasse de ser o maior centroavante da história do nosso futebol.
Friedenreich, por exemplo, teve seus gols recontados e, se antes estava à frente de Pelé, agora tem menos de 600 tentos. Isso não tira o brilho da história de Fried, o nosso primeiro grande craque, só evita que transformemos mentiras em verdade pela repetição. Por enquanto, estou com a contagem da revista "Placar", que desconsidera 101 gols marcados pelo Baixinho. Ele estaria, então, em busca do gol 899, o que é uma marca sensacional, histórica, pela qual ele merece todos os parabéns. E parabéns também merece seu assessor de imprensa, que inventou esta balela de mil gols. Balela que boa parte da imprensa e dos torcedores (que sempre têm fome de grandes feitos e marcas históricas) engoliu sem mastigar.

torero@uol.com.br


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