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JOSÉ ROBERTO TORERO
Octingentésimo nonagésimo nono gol
Este gol mil de Romário é uma forma de chegar à manchete, um ótimo trabalho de assessoria de imprensa
N
ESTE FIM DE semana é bem
provável que Romário marque um gol contra o Botafogo. Se isso acontecer, no domingo
ele será o principal assunto de todas
as mesas-redondas e terá reportagem especial no "Fantástico". E,
na segunda-feira, estará em todas
as primeiras páginas dos jornais do
país.
E, na verdade, é isso o que é este
gol mil de Romário: uma forma de
chegar às manchetes, um ótimo trabalho de assessoria de imprensa.
Todos gostamos de Romário, todos temos carinho e admiração por
ele, mas daí a aceitar que ele está fazendo mil gols há uma grande distância. É ser muito condescendente,
complacente, frouxo.
Aceitar este gol como o milésimo é
ser conivente com o jeitinho brasileiro, com a mania nacional de acochambração. E o Baixinho merece
uma homenagem mais verdadeira.
Essa história de "deixa ele contar os
gols do jeito dele" é um desrespeito
com os amantes do futebol e com o
próprio Romário.
Para driblar o problema de aceitar
ou não os gols de Romário, alguns
jornais usam asterisco ou dizem entre parênteses algo como "segundo
as suas contas". Isso me parece pouca coisa. É preciso estabelecer um
parâmetro e fazer a estatística certa.
Por exemplo, é óbvio que contar
os gols dos tempos de amador não
vale. Nem gols contra amadores. Se
for assim, o cantor Daniel também
vai querer contar seus gols em jogos
beneficentes, e Didi (o humorista,
não o jogador) poderia contabilizar
seus gols quando fazia shows futebolísticos pelo Brasil. Sem falar nos
milhares de craques de fim de semana espalhados pelo Brasil, que fazem
jogos que servem de aperitivo para
seus churrascos pantagruélicos.
É claro que festejar é divertido, é
claro que chegar aos mil gols seria
um bom modo de Romário deixar o
futebol por cima, seria colocá-lo
num panteão onde estão apenas três
deuses: Eusébio, Puskas (ambos em
números não muito precisos) e Pelé
(que também tem alguns gols absurdos em suas contas, como os da seleção do Exército, gols que também
não deveriam ser contados).
Mas mentir para chegar a este
panteão não vale. E contar os gols de
quando ele tinha 13 anos ou da partida entre os Amigos de Luisinho x
América-RJ é mentir.
Muitos aceitam essas contas porque, de certa forma, tratamos os jogadores, e especialmente Romário,
como meninos traquinas, como
crianças que não cresceram e continuam a jogar bola como quando pequenos. Mas não pode ser assim. Os
jogadores são adultos, o futebol é
seu trabalho, e eles devem ser tratados com toda a seriedade.
Por isso creio que só podem ser
considerados os gols que ocorreram
em jogos que utilizaram jogadores
profissionais. E, é claro, seleções oficiais de atletas profissionais.
Isso diminuiria o número de gols
de Romário, mas não faria dele um
jogador menos fantástico, não faria
com que ele deixasse de ser o maior
centroavante da história do nosso
futebol.
Friedenreich, por exemplo, teve
seus gols recontados e, se antes estava à frente de Pelé, agora tem menos
de 600 tentos. Isso não tira o brilho
da história de Fried, o nosso primeiro grande craque, só evita que transformemos mentiras em verdade pela repetição.
Por enquanto, estou com a contagem da revista "Placar", que desconsidera 101 gols marcados pelo Baixinho. Ele estaria, então, em busca do
gol 899, o que é uma marca sensacional, histórica, pela qual ele merece todos os parabéns.
E parabéns também merece seu
assessor de imprensa, que inventou
esta balela de mil gols. Balela que
boa parte da imprensa e dos torcedores (que sempre têm fome de
grandes feitos e marcas históricas)
engoliu sem mastigar.
torero@uol.com.br
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