São Paulo, quinta-feira, 29 de junho de 2006

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Scarface

Após quase largar o futebol, o meia Franck Ribéry surge como a revelação da França na Alemanha

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A HAMELN

Há dois anos, Franck Ribéry disputava pelo Brest a terceira divisão do Campeonato Francês, ganhava uns mil euros (R$ 2.780) por mês e, desiludido, pensava em largar o futebol.
Hoje o meia-atacante da França é uma das revelações da Copa, um fenômeno de popularidade em seu país e alvo da cobiça dos maiores clubes europeus. Autor do primeiro gol da vitória por 3 a 1 sobre a Espanha que colocou os franceses diante do Brasil nas quartas-de-final de sábado, Ribéry esconde por trás da sua enorme cicatriz no rosto uma história de vida que daria um livro.
"Scarface" ("Cara de Cicatriz", famoso filme com Al Pacino), apelido que ganhou da torcida turca do Galatasaray, nasceu há 23 anos em Boulogne-sur-Mer, cidade portuária no norte da França.
Os nomes da sua infância hoje transbordam de simbolismo. Cresceu no bairro pobre de Chemin-Vert (Caminho Verde), no conjunto habitacional Transition (Transição), uma região de operários do porto e da indústria siderúrgica.
Ribéry foi forçado a se dividir entre os estudos, o futebol e o trabalho, ajudando seu pai na construção civil. Nessa época já carregava a cicatriz, conseqüência de um acidente de carro quando tinha dois anos. Os estragos atingiram a cabeça, onde até hoje há um pedaço onde não cresce cabelo.
Foi assim, feio e estigmatizado entre os colegas, que deu seus primeiros chutes, no Aiglons, o time da cidade. As marcas serviram de estímulo. Numa reportagem do jornal "Libération", o português José Pereira, um dos primeiros técnicos de Ribéry no Aiglons, conta que a cara rachada "era provavelmente a sua força". "Ele dizia a si próprio: "Se vocês gozam de minha boca, vou mostrar o que faço no campo"."
À maneira de um Tevez francês (o argentino do Corinthians também tem uma cicatriz e também passou a infância num conjunto habitacional pobre), Ribéry sempre foi meio esquentado. "Sempre jogou muita bola, mas nunca foi disciplinado. Foi um garoto que cresceu na rua", diz Pereira.
Com 13 anos, foi jogar numa escolinha em Lille, onde ficou por três anos e de onde foi expulso por maus resultados escolares. Voltou à cidade natal, ao Boulogne-sur-Mer, onde se profissionalizou. Aos 18 anos mudou-se para o Alès, da terceira divisão francesa, e ali jogou a temporada 2002-2003. Em 2004 transferiu-se ao Brest, da mesma divisão.
Tudo indicava que seria mais uma carreira curta de um talento desperdiçado, até surgir na história um certo Jean Fernandéz, técnico do Metz, da primeira divisão, que viu um jogo do Brest e enlouqueceu com o jovem veloz e driblador. No dia seguinte já o levou para o clube, por onde Ribéry disputou a temporada 2004-2005.
No ano passado, o Galatasaray (Turquia) o contratou. Chegou a virar ídolo, ganhar apelidos (além de Scarface, Ferraribéry, por sua velocidade). Mas, após uma disputa de empresários que ainda se desenrola na Fifa, o Olympique de Marselha, sexto clube de sua curta carreira, o levou de volta à França.
Antes da Copa, Ribéry nem aparecia na lista de prováveis convocados. Três boas aparições, somando 56 minutos, e respaldo popular (70% da França o queriam no time) fizeram o técnico Raymond Domenech levá-lo à Alemanha. Estreou como titular no 0 a 0 com a Suíça, mas não foi bem, e ficou de fora no 1 a 1 com a Coréia do Sul. Retornou nos 2 a 0 sobre o Togo e começou a fazer jus ao (por ora) exagerado título de "novo Zidane", que confirmou contra a Espanha.
No canto do cisne do maior craque francês -Zizou vai se aposentar ao final da Copa-, o surgimento fulminante de Ribéry atiçou os franceses, que crêem estar vendo a passagem do bastão em pleno Mundial.
Contribuiu para a mística o fato de o meia ter jogado sua primeira partida completa pela França na vitória por 1 a 0 em amistoso contra o México em maio, justo quando o ainda "rei" Zidane fez seu centésimo jogo pela seleção e se despediu do Stade de France, palco dos 3 a 0 no Brasil na final de 98.
No bairro de Chemin-Vert, onde visita familiares, Ribéry já é tratado como rei. A depender dos colegas, o lugar no trono da seleção o aguarda. "Ele acrescenta muito ao time com sua vivacidade. Não tem medo de nada e é realmente bom. Tenho certeza de que será alguém importante no futebol", elogia Zidane. "É fantástico o jeito que o público o adotou imediatamente", completa Henry.


Com agências internacionais

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