São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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Ciente de doença, São Caetano escalou Serginho em 47 jogos

Zagueiro morto anteontem fez em fevereiro exame no Incor que mostrou coração frágil

EDUARDO ARRUDA
KLEBER TOMAZ
TONI ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo ciente de que o zagueiro Serginho tinha cardiomiopatia hipertrófica assimétrica (doença em que o coração incha), o São Caetano o escalou 47 vezes. O zagueiro, 30, morreu anteontem, às 22h45, no hospital São Luiz, após ter uma parada cardiorrespiratória aos 13min50s do segundo tempo do jogo com o São Paulo.
Ontem, a polícia abriu inquérito para apurar se houve negligência no atendimento ou na escalação de Serginho. O presidente do time do ABC, Nairo de Souza, reafirmou que seu atleta estava apto para jogar futebol e negou que ele tivesse problemas cardíacos.
Mas a Folha apurou que o clube tinha conhecimento não só da doença do atleta como também do risco que ele corria se continuasse a jogar sem se tratar.
A família afirma que não pensa em processar o clube. "Essa hipótese não passa pela cabeça", declarou ontem Lúcio Nunes Cunha, cunhado do jogador.
O médico Martino Martinelli Filho, responsável pela unidade clínica de marcapasso do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas), disse ontem que a doença fora detectada no atleta em exame em 11 de fevereiro.
"Ele era portador de uma cardiomiopatia. Todos sabiam disso, até os jogadores do São Caetano. Essa doença do músculo cardíaco leva geralmente a uma arritmia, que em alguns casos podem ser letais", disse Martinelli Filho.
"A responsabilidade sobre o jogador agora é do clube e do próprio atleta, que foram informados dos resultados dos exames."
A declaração do médico aconteceu um dia depois de o goleiro Silvio Luiz e o lateral Anderson Lima, ambos do clube do ABC, afirmarem que Serginho tinha problemas no coração -mesmo assim, ele atuou no Paulista, na Taça Libertadores, na Copa Sul-Americana e no Campeonato Brasileiro.
A miocardiopatia hipertrófica assimétrica é uma doença genética hereditária do músculo cardíaco, que cresce para dentro de maneira desigual deixando o septo (divisão entre as câmaras do coração) em forma de "banana", impedindo o fluxo sangüíneo de seguir seu trajeto natural. Isso causa arritmia (descompasso do coração) e pode levar à morte.
"Ele deveria ter sido afastado definitivamente do esporte", afirmou Nabil Ghorayeb, presidente do grupo de estudos em cardiologia do esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
"É incompatível. Ele corria muito risco. A princípio teria que encerrar a carreira mesmo", disse Roberto Felipe, diretor do departamento médico do Cruzeiro.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, há pelo menos três tipos de tratamento para a doença: 1) medicação, 2) aparelhos, com o uso de um desfibrilador automático implantável (que provoca choques elétricos quando o coração pára), 3) intervenção cirúrgica (reconstrução da parede do coração e transplante do órgão.


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