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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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FUTEBOL

Ordem e desordem

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

O futebol, muito mais do que os outros esportes, é contraditório e imprevisível. Há dezenas de fatores desconhecidos e misteriosos envolvidos no resultado de uma partida. As previsões dos comentaristas são tão precisas quanto às dos economistas sobre a queda dos juros, dos analistas sobre o término da guerra e dos videntes.
Os fatores mais decisivos do resultado de um jogo são a qualidade individual dos jogadores e a inspiração e a transpiração desses atletas no instante da partida.
Existem "craques" que só brilham uma vez por mês. Outros fatores são o imponderável, os mistérios, a força do conjunto, a preparação física e psicológica, a estratégia de jogo (tipo e qualidade de marcação, postura defensiva ou ofensiva adequada para o momento). As condutas do treinador antes ou durante a partida, o esquema tático e outros.
O desenho tático e a estratégia são menos importantes, mas posso enxergá-los e analisá-los. Por isso falo tanto deles. O mesmo acontece com as características e as qualidades técnicas dos atletas.
Não posso analisar nem prever que a bola vai desviar no morrinho e enganar o goleiro, que o árbitro e os auxiliares vão cometer graves erros, que o jogador está triste, com dor-de-cotovelo porque brigou com a amada e dezenas de outros fatores imprevisíveis que podem decidir a partida.
Há muitos conceitos discutíveis e temporários. No Corinthians, Parreira corrigiu os principais defeitos de Vampeta, que eram o de conduzir demais a bola e tentar passes longos impossíveis. Ele perdia a bola e facilitava o contra-ataque. Esses defeitos foram substituídos por outro, o de tocar muito a bola para o lado, que teve de ser corrigido por Geninho. O terceiro gol contra o São Paulo saiu de um passe longo de Vampeta.
Eu e outros comentaristas criticamos o Léo Lima, do Vasco, por enfeitar demais e tentar o mais difícil, o que não sabe. Contra o Fluminense, o atleta deu um passe magistral de letra que resultou em gol. Se ele unir a habilidade com a eficiência, se tornará um grande jogador. Em certos momentos, é imperceptível o limite entre o craque e o malabarista. Maradona ultrapassou tal limite. Era supercraque e malabarista.
A seleção brasileira em 70 treinou bastante a defesa e a marcação no meio-campo. Essas eram características do Botafogo, dirigido também por Zagallo. Mas o time brasileiro ficou na história como exemplo de futebol ofensivo e ousado, que somente se preocupava em atacar e fazer gols.
Há um conceito antigo no futebol de que o jogo se ganha no meio-campo. Para isso, o time precisa ter muitos jogadores nesse setor e valorizar a posse de bola. A seleção pentacampeã contrariou tudo isso. Havia poucos atletas no meio, e o time trocava poucos passes nesse setor. Roberto Carlos e Cafu atuaram somente pelas laterais, e os três "erres", na frente.
Anos atrás, Parreira e Zagallo disseram que no futuro o esquema tático mais comum seria o 4-6-0. A idéia era atraente, a de que os atacantes teriam de recuar, marcar e, depois, avançar, como no basquete. Se essa previsão tivesse sido confirmada, hoje não teríamos atacantes fenomenais, especialistas, como Ronaldo.
Há dezenas de exemplos conflitantes. Se a verdade tem no mínimo duas faces, no futebol, as "verdades" são incontáveis. O futebol está mais próximo do mistério e da emoção do que da racionalidade. Técnicos e comentaristas tentam pôr ordem na desordem.
Por causa dessa incerteza, o futebol é apaixonante e sedutor.

Pontos corridos
Começou o primeiro Campeonato Brasileiro por pontos corridos, turno e returno. No final, o time que somar mais pontos é o campeão. Simples e justo.
Para funcionar bem, o torneio deveria também ser menos longo, com, no máximo, 20 clubes. Cairiam quatro e subiriam quatro da Série B. Os oito primeiros colocados teriam direito de atuar na Libertadores e na Copa Sul-Americana. Assim, quando estivesse próximo do final, quase todos os times estariam lutando pelo título ou pelos oito primeiros lugares ou para não serem rebaixados.
Temo que todos os graves e crônicos problemas do futebol brasileiro, como a falta de seriedade e transparência, a violência, as péssimas condições dos estádios e o desrespeito aos torcedores sejam debitados ao novo regulamento. O futebol só vai melhorar se esses e outros problemas forem resolvidos. A fórmula de disputa é o menos importante.

E-mail
tostao.folha@uol.com.br


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