São Paulo, terça-feira, 30 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SONINHA

Favoritismo x Já ganhou

Reclamar do favoritismo nos levará, caso o Brasil caia antes da final, a garantir outro lugar-comum para o futuro

A REVISTA Copa'06, do pessoal do Trivela.com, criou um quadro divertido para acompanhar o perfil de cada seleção: "A mídia vai cansar seus ouvidos ao dizer que...". Que Angola "vai pôr em campo toda a rivalidade com Portugal por ser uma ex-colônia"; que o astro do Togo, Adebayor, é "perigoso" e "foi o artilheiro das eliminatórias africanas"... Que a Itália produz bons zagueiros, assim como o Paraguai, e que Gamarra não cometeu nenhuma falta em toda a Copa de 98... Que Figo tem de provar que não é apenas jogador de clube...
Os lugares-comuns sobre o Brasil exigiriam espaço maior, talvez uma página inteira: Ronaldo precisa, mais uma vez, superar a desconfiança que o cerca; Ronaldinho não joga na seleção o mesmo que no Barcelona e tem de fazer valer na Copa o título de melhor do mundo; o ponto fraco do Brasil é a defesa; os laterais, "envelhecidos", jogam sua última Copa sob desconfiança; Dida não é mais aquele... E, acima de todos eles, há o bendito favoritismo, que seria nosso principal obstáculo no caminho do título. Gente, não é por nada não, favoritismo é o problema dos grandes campeões... Historicamente, dos Estados Unidos no basquete e da antiga URSS no vôlei, e vice-versa (lembram dos grandes duelos de décadas atrás?); da Romênia na ginástica artística, dos alemães na natação, dos cubanos no boxe... Vê lá se o Senna se abalava com o fato de ser o maior vencedor de uma prova e o maior candidato a vencê-la de novo. Ou se o Federer, o Phelps e a Isinbayeva acham que precisam negar ou ignorar seu favoritismo. O Brasil tem de fazer gosto de ser favorito no futebol. É sua sina, prazerosamente construída ao longo de um caminho cheio de glórias. O "já ganhou" é outra história... É isso que teríamos de temer. Por um lado, é desejável que o Brasil entre em campo convicto de que "não tem pra ninguém". Mas o equilíbrio necessário para se lidar com essa condição é delicado. Os jogadores podem perfeitamente incorporar isso como combustível para um excelente desempenho, querendo satisfazer às mais elevadas expectativas e não se contentando com uma apresentação mediana. Não tremendo diante de nenhum adversário e se comprazendo do fato de serem admirados e temidos, com aquele misto de prazer juvenil e orgulho que exibem nos incríveis comerciais de TV. Mas precisam ser capazes de exercitar isso sem chegar a pensar que "vai ser fácil". Sem cogitar que o fato de serem temidos facilite as coisas, em vez de complicar. É evidente que, contra o Brasil, toda marcação é mais forte, todo empenho é dobrado... E, se nós estamos cansados de saber disso, não é possível que os jogadores esqueçam. Que não temam o vexame, o risco sempre presente de uma pane (já tivemos tantas!), o cansaço e o azar. Que durmam supertranqüilos, crentes de que "tá no papo". Espero que, com a ajuda distante da psicóloga Regina Brandão (que trata com a comissão técnica, mas não com os jogadores!), nossos atletas saibam incorporar o espírito malandro do "Xá comigo"; a serena superioridade do jogador que pega a bola na rede do seu gol e se encaminha para o meio-de-campo com a firme determinação de ser o homem da virada. Ou de Pelé (preciso querer menos?) no jogo em que ofereceu a bola para a "senhora sua mãe" do adversário (Fontana, do Vasco), que o arreliara o tempo todo em que o Santos esteve em desvantagem... Enfim, essa história de reclamar do favoritismo vai acabar nos levando, caso o Brasil tropece antes do título, à conclusão de que "perdemos para nós mesmos". E fica mais um lugar-comum consagrado e garantido para as próximas décadas...

@ - soninha.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Na Basiléia, local do jogo, Brasil encontra desdém da torcida e vida pornô
Próximo Texto: Copa 2006: Ronaldo imita Pelé e sonha com EUA
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.