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SONINHA
Favoritismo x Já ganhou
Reclamar do favoritismo nos levará, caso o Brasil caia antes da final, a garantir outro lugar-comum para o futuro
A
REVISTA Copa'06, do pessoal
do Trivela.com, criou um
quadro divertido para acompanhar o perfil de cada seleção: "A
mídia vai cansar seus ouvidos ao dizer que...". Que Angola "vai pôr em
campo toda a rivalidade com Portugal por ser uma ex-colônia"; que o
astro do Togo, Adebayor, é "perigoso" e "foi o artilheiro das eliminatórias africanas"... Que a Itália produz
bons zagueiros, assim como o Paraguai, e que Gamarra não cometeu
nenhuma falta em toda a Copa de
98... Que Figo tem de provar que não
é apenas jogador de clube...
Os lugares-comuns sobre o Brasil
exigiriam espaço maior, talvez uma
página inteira: Ronaldo precisa,
mais uma vez, superar a desconfiança que o cerca; Ronaldinho não joga
na seleção o mesmo que no Barcelona e tem de fazer valer na Copa o título de melhor do mundo; o ponto
fraco do Brasil é a defesa; os laterais,
"envelhecidos", jogam sua última
Copa sob desconfiança; Dida não é
mais aquele... E, acima de todos eles,
há o bendito favoritismo, que seria
nosso principal obstáculo no caminho do título.
Gente, não é por nada não, favoritismo é o problema dos grandes
campeões... Historicamente, dos Estados Unidos no basquete e da antiga URSS no vôlei, e vice-versa (lembram dos grandes duelos de décadas
atrás?); da Romênia na ginástica artística, dos alemães na natação, dos
cubanos no boxe...
Vê lá se o Senna se abalava com o
fato de ser o maior vencedor de uma
prova e o maior candidato a vencê-la
de novo. Ou se o Federer, o Phelps e
a Isinbayeva acham que precisam
negar ou ignorar seu favoritismo.
O Brasil tem de fazer gosto de ser
favorito no futebol. É sua sina, prazerosamente construída ao longo de
um caminho cheio de glórias. O "já
ganhou" é outra história... É isso que
teríamos de temer.
Por um lado, é desejável que o Brasil entre em campo convicto de que
"não tem pra ninguém".
Mas o equilíbrio necessário para
se lidar com essa condição é delicado. Os jogadores podem perfeitamente incorporar isso como combustível para um excelente desempenho, querendo satisfazer às mais
elevadas expectativas e não se contentando com uma apresentação
mediana. Não tremendo diante de
nenhum adversário e se comprazendo do fato de serem admirados e
temidos, com aquele misto de prazer juvenil e orgulho que exibem nos
incríveis comerciais de TV.
Mas precisam ser capazes de
exercitar isso sem chegar a pensar
que "vai ser fácil". Sem cogitar que o
fato de serem temidos facilite as
coisas, em vez de complicar. É evidente que, contra o Brasil, toda marcação é mais forte, todo empenho é
dobrado...
E, se nós estamos cansados de saber disso, não é possível que os jogadores esqueçam. Que não temam o
vexame, o risco sempre presente de
uma pane (já tivemos tantas!), o cansaço e o azar. Que durmam supertranqüilos, crentes de que "tá no papo".
Espero que, com a ajuda distante
da psicóloga Regina Brandão (que
trata com a comissão técnica, mas
não com os jogadores!), nossos atletas saibam incorporar o espírito malandro do "Xá comigo"; a serena superioridade do jogador que pega a
bola na rede do seu gol e se encaminha para o meio-de-campo com a
firme determinação de ser o homem
da virada. Ou de Pelé (preciso querer
menos?) no jogo em que ofereceu a
bola para a "senhora sua mãe" do adversário (Fontana, do Vasco), que o
arreliara o tempo todo em que o
Santos esteve em desvantagem...
Enfim, essa história de reclamar
do favoritismo vai acabar nos levando, caso o Brasil tropece antes do título, à conclusão de que "perdemos
para nós mesmos".
E fica mais um lugar-comum consagrado e garantido para as próximas décadas...
@ - soninha.folha@uol.com.br
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