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JOSÉ GERALDO COUTO
Também já fui brasileiro
Por que nos identificamos tão pouco com esse patrimônio simbólico da nacionalidade que é a seleção brasileira?
"T
AMBÉM JÁ FUI brasileiro,
moreno como vocês", diz
o poema de Drummond.
Pois é, eu já torci loucamente pela
seleção brasileira, qualquer que fosse o rival. Terça-feira, porém, lembrei que tinha jogo do Brasil quando
estava no 2º tempo. O placar de 2 a 0
para o México não me comoveu.
Dois dias depois eu estava a postos
desde o primeiro minuto para ver
Argentina x EUA. E foi de fato uma
partida muito mais interessante.
Podem me acusar à vontade de falta
de "patriotismo", desde que me expliquem o significado dessa palavra,
se é que ela ainda tem algum.
Para alguns, patriotismo é votar
no Cristo Redentor como maravilha
do mundo e cantar o hino com a mão
no peito e expressão compungida,
mesmo que no momento seguinte o
"patriota" em questão esteja perpetrando maracutaias, destruindo o
ambiente e sacaneando o próximo
com a meta de comprar a casa de novo-rico em Miami, em cuja janela estenderá, claro, a bandeira verde-amarela se houver jogo do Brasil.
Não, não sou patriota. Como já escrevi aqui, em lugar da "pátria de
chuteiras", da "corrente pra frente
em torno da amarelinha", eu me sinto mais próximo da "pátria das chuteiras", isto é, da confraria supranacional que congrega idealmente praticantes e aficionados de um futebol
bonito, empolgante e criativo.
Pode ser Henry, Messi, Dodô ou o
centroavante do time de várzea da
rua aqui do lado, pouco importa: se
ele tratar a bola com imaginação e
carinho, sou seu amigo, seu irmão.
Estou escapando do assunto.
Quem quiser entender por que a seleção brasileira perdeu prestígio
junto aos jogadores e torcedores no
futebol globalizado de hoje em dia
deve ler a reportagem de capa da revista "Placar" que está nas bancas.
A matéria é ótima, mas se limita,
claro, aos aspectos esportivos, políticos e econômicos da questão. Há
um componente simbólico que é
mais difícil de abordar.
A questão que me intriga é: por
que nos sentimos tão pouco identificados com esse patrimônio da nacionalidade que é a seleção brasileira de futebol? Por que a relação dos
atletas e torcedores argentinos com
o seu escrete parece ser tão diferente da nossa, se na economia política
global do esporte a situação dos dois
países é praticamente a mesma?
Arrisco chutes. Comparado com o
argentino, o brasileiro tem noção
muito mais tênue de nacionalidade,
de pertencimento a uma coletividade, com tudo o que isso implica de
compromisso, renúncia e entrega.
Essa diferença se reflete não apenas nos contrastantes graus de participação política, de exercício substantivo da democracia, mas também
no comportamento nos estádios de
futebol de cada lado da fronteira.
O torcedor argentino costuma
apoiar seu clube e sua seleção nacional em qualquer circunstância. No
Brasil, quando a seleção ou um clube
começa a jogar mal, o torcedor não
demora a vaiar, a gritar "olé" a cada
passe do rival. O apoio da torcida do
Grêmio ao time, após a derrota para
o Boca Juniors, foi notável exceção.
Não estou dizendo que a Argentina seja melhor que o Brasil. Se fosse,
não haveria mais argentinos vivendo aqui do que brasileiros vivendo
lá. O fato é que o argentino é muito
mais argentino do que o brasileiro é
brasileiro. E me pergunto por quê.
jgcouto@uol.com.br
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