São Paulo, sábado, 30 de junho de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

Também já fui brasileiro

Por que nos identificamos tão pouco com esse patrimônio simbólico da nacionalidade que é a seleção brasileira?

"T AMBÉM JÁ FUI brasileiro, moreno como vocês", diz o poema de Drummond. Pois é, eu já torci loucamente pela seleção brasileira, qualquer que fosse o rival. Terça-feira, porém, lembrei que tinha jogo do Brasil quando estava no 2º tempo. O placar de 2 a 0 para o México não me comoveu. Dois dias depois eu estava a postos desde o primeiro minuto para ver Argentina x EUA. E foi de fato uma partida muito mais interessante.
Podem me acusar à vontade de falta de "patriotismo", desde que me expliquem o significado dessa palavra, se é que ela ainda tem algum. Para alguns, patriotismo é votar no Cristo Redentor como maravilha do mundo e cantar o hino com a mão no peito e expressão compungida, mesmo que no momento seguinte o "patriota" em questão esteja perpetrando maracutaias, destruindo o ambiente e sacaneando o próximo com a meta de comprar a casa de novo-rico em Miami, em cuja janela estenderá, claro, a bandeira verde-amarela se houver jogo do Brasil.
Não, não sou patriota. Como já escrevi aqui, em lugar da "pátria de chuteiras", da "corrente pra frente em torno da amarelinha", eu me sinto mais próximo da "pátria das chuteiras", isto é, da confraria supranacional que congrega idealmente praticantes e aficionados de um futebol bonito, empolgante e criativo. Pode ser Henry, Messi, Dodô ou o centroavante do time de várzea da rua aqui do lado, pouco importa: se ele tratar a bola com imaginação e carinho, sou seu amigo, seu irmão. Estou escapando do assunto.
Quem quiser entender por que a seleção brasileira perdeu prestígio junto aos jogadores e torcedores no futebol globalizado de hoje em dia deve ler a reportagem de capa da revista "Placar" que está nas bancas. A matéria é ótima, mas se limita, claro, aos aspectos esportivos, políticos e econômicos da questão. Há um componente simbólico que é mais difícil de abordar.
A questão que me intriga é: por que nos sentimos tão pouco identificados com esse patrimônio da nacionalidade que é a seleção brasileira de futebol? Por que a relação dos atletas e torcedores argentinos com o seu escrete parece ser tão diferente da nossa, se na economia política global do esporte a situação dos dois países é praticamente a mesma?
Arrisco chutes. Comparado com o argentino, o brasileiro tem noção muito mais tênue de nacionalidade, de pertencimento a uma coletividade, com tudo o que isso implica de compromisso, renúncia e entrega. Essa diferença se reflete não apenas nos contrastantes graus de participação política, de exercício substantivo da democracia, mas também no comportamento nos estádios de futebol de cada lado da fronteira.
O torcedor argentino costuma apoiar seu clube e sua seleção nacional em qualquer circunstância. No Brasil, quando a seleção ou um clube começa a jogar mal, o torcedor não demora a vaiar, a gritar "olé" a cada passe do rival. O apoio da torcida do Grêmio ao time, após a derrota para o Boca Juniors, foi notável exceção.
Não estou dizendo que a Argentina seja melhor que o Brasil. Se fosse, não haveria mais argentinos vivendo aqui do que brasileiros vivendo lá. O fato é que o argentino é muito mais argentino do que o brasileiro é brasileiro. E me pergunto por quê.

jgcouto@uol.com.br


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